Líder do PP e do Centrão, o deputado federal Arthur Lira enfrenta alguns importantes processos na Justiça. Na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ele é réu numa ação penal que o aponta como beneficiário de 106 000 reais em propina de um esquema de corrupção na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Segundo o Ministério Público, o valor foi entregue em espécie a um de seus assessores no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Na Segunda Turma do STF, Lira responde a processo como um dos integrantes do chamado “quadrilhão do PP”, organização criminosa que teria desviado recursos da Petrobras e garantido ao parlamentar 2,6 milhões de reais em dinheiro sujo. Na mais alta instância do Judiciário, ainda tramita uma queixa-crime apresentada por sua ex-mulher, que foi chamada por Lira de “vigarista profissional” depois de dizer, em entrevista a VEJA, que ele ocultou um patrimônio de 40 milhões de reais obtido com esquemas de corrupção. Ressalte-se: são acusações, o que não significa que o deputado seja culpado.
Sem se importar com esse currículo e acreditando em sua inocência, Jair Bolsonaro decidiu apoiar Lira na eleição para a presidência da Câmara, marcada para fevereiro. Político habilidoso, que controla cerca de 160 votos na casa, o deputado hoje é fundamental para a estratégia do governo, uma vez que ele demonstra total comprometimento com a agenda liberal na economia. A fim de viabilizar a sua vitória no páreo, o Planalto autorizou o aliado a prometer cargos e emendas aos colegas, ofertas que estão sendo feitas, inclusive, a integrantes da oposição. Até aqui, ninguém tinha dúvida de que o deputado entregaria o que está prometendo. Na Câmara, Lira é conhecido por honrar compromissos, um “sujeito-homem” nas palavras das hostes bolsonaristas. Um processo judicial a que VEJA teve acesso, porém, mostra que nem todos acham que o líder do Centrão paga as dívidas que assume.
A história já tem quase trinta anos e alguns pontos nebulosos, mas volta a assombrar o deputado exatamente na reta final de sua campanha. Em 1993, ainda jovem, Lira comprou um apartamento de um empresário chamado Volney Lucena Pedulla, na Ponta Verde, badalado bairro à beira-mar de Maceió. O imóvel, avaliado em 700 000 reais, foi adquirido de forma parcelada. Até aí, tudo de acordo com o protocolo. O parlamentar deu uma entrada e assinou quatro notas promissórias. As duas primeiras foram pagas normalmente. As duas restantes, que representavam cerca de 40% do valor do apartamento, foram quitadas com um cheque. O problema, segundo o vendedor, começou quando ele tentou compensar o cheque. Em diversas tentativas, Pedulla foi informado pelo banco sobre a “insuficiência de fundos” nas contas do hoje deputado federal. Depois, também tentou receber o dinheiro amigavelmente, sem sucesso. Restou, então, o recurso à Justiça. “Eu vivi uma situação financeira muito difícil na época em que ele não me pagou, pois estava me separando da minha esposa e tive de pagar pensão alimentícia”, contou o comerciante a VEJA. “Tentei por diversas vezes fazer um acordo, mas acordo é tudo o que ele não faz. A intenção dele nunca foi de me pagar.”
Durante a tramitação do processo, Lira alegou que não devia nada ao comerciante, que tudo estava devidamente pago. Em sua defesa, ele apresenta um recibo de quitação do apartamento como prova — e o documento, de fato, foi assinado. Em entrevista a VEJA sobre o caso, o deputado afirmou: “Você assinaria um termo de que vendeu um apartamento para alguém sem receber o dinheiro? Quem faz isso?”. A questão é que três instâncias da Justiça já condenaram o parlamentar no processo. Em agosto de 2002, nove anos depois do suposto calote, o juiz Edivaldo Bandeira Rios, da 6ª Vara Cível do Estado, condenou o líder do PP a pagar a dívida, acrescida de juros de mora e correção monetária. A decisão foi confirmada pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas e, posteriormente, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em fevereiro de 2012, a Justiça determinou o bloqueio de ativos do deputado para garantir a quitação da dívida. De nada adiantou. Nas contas bancárias do congressista, não havia dinheiro suficiente. “Minha defesa se posicionou mal no início do processo. Como esse senhor hoje tem problemas financeiros, ele vem atrás de um dinheiro que não é dele”, diz Lira. A demora no desfecho do caso tem a ver também com o ingresso de Lira na carreira política. A partir de 1999, ele seguiu os passos do pai, Benedito de Lira, se elegeu deputado estadual por três mandatos consecutivos e, na sequência, mais três como deputado federal. Nesse período, de acordo com Pedulla, os oficiais do Tribunal de Alagoas não conseguiam localizar o deputado para intimá-lo oficialmente — e o caso mudava de instância. Até que, em outubro do ano passado, a Justiça enviou ofício à Câmara determinando o bloqueio de 30% do salário de Lira. O deputado se apresentou, disse que estava disposto a fazer um acordo e pediu a suspensão do bloqueio, prontamente atendida.
Depois de quase de trinta anos de litígio, já prevendo que o problema poderia respingar na sua intenção de ser presidente da Câmara, o deputado tentou uma conciliação. Lira apresentou uma proposta, pela qual prometia pagar cerca de 20% do que determinou o juiz. A defesa de Pedulla, o credor, não aceitou, e o caso continuou em aberto. Quanto ao imóvel, ele sequer pode ser usado para quitar a dívida, já que foi revendido pelo deputado para pagar dívidas de campanha. “Mais uma coisa: esse apartamento vale 400 000 reais. Não isso que eles estão dizendo”, argumenta Lira.
Além de contar com a bênção do presidente da República, Lira é o único candidato já anunciado na disputa pela presidência da Câmara. É também o favorito. Na semana passada, ele recebeu o apoio de outro antigo pretendente ao posto, Marcos Pereira, mandachuva do Republicanos, que desistiu de concorrer. Pereira era considerado um provável integrante da aliança que o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), quer montar, com partidos de centro e da esquerda. A debandada do Republicanos dificulta bastante esse plano. Outro empecilho que ainda precisa ser superado é a definição do nome do adversário de Lira. Até o fechamento desta edição, na quinta 17, Maia estava entre o presidente do MDB e líder do partido na Câmara, Baleia Rossi, e o ex-ministro Aguinaldo Ribeiro, que também é do PP. Ambos não demonstram a mesma desenvoltura do rival Lira no Congresso.
Até agora, o passivo judicial não trouxe prejuízo algum à campanha de Arthur Lira. Pelo contrário: ajudou até a fomentar uma solidariedade entre certos colegas. Para cada um dos casos a que responde, Lira tem explicações que desfia de uma forma convincente. Em relação aos desvios na Petrobras, mostra que sua ascensão à liderança veio no final do funcionamento do esquema e que por isso não fez parte dele. Em relação à ex-mulher, além de enfatizar a ausência de provas, conta uma longa história de desequilíbrios de comportamento e diz que até a enteada, filha dela, sabe da verdade. Em conversas com os parlamentares, da base e da oposição, ele faz sempre eco à tese de que a Operação Lava-Jato criminalizou a atividade político-partidária e costuma repetir: “No Brasil, denunciar virou uma coisa espetaculosa”. A julgar pela longa lista a que responde, o deputado está certo.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718