As ameaças e ‘favores’ de um delator ao juiz Marcelo Bretas
Juiz foi afastado do cargo pelo Conselho Nacional de Justiça, mas teor das ameaças só vêm à tona agora
Afastado do cargo em fevereiro por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alvo de processos disciplinares que podem encerrar sua carreira, o juiz Marcelo Bretas sofre ameaças desde que assumiu o posto de responsável por julgar o braço da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Em novembro de 2020, porém, as intimidações ganharam novos contornos por partirem também de um advogado que se atribuía uma intimidade não usual com o magistrado. Uma carta datada da época e anexada ao processo contra o magistrado no CNJ afirma que o autor teria alertado Bretas sobre juras de morte e ofensivas contra sua família e cobra favores em troca de silenciar sobre supostos desvios éticos do juiz. VEJA teve acesso à íntegra do documento. Em proposta de delação premiada, o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho confirmou ter sido o autor da ofensiva contra o magistrado, a quem acusa de combinar penas, negociar sentenças e influenciar as eleições no Rio em benefício de um aliado.
Na mensagem de intimidação, ao cobrar lealdade de Bretas, Nythalmar diz, por exemplo, que deu mostras de “consideração pessoal” ao juiz ao informa-lo que o ex-governador Sérgio Cabral havia montado uma estrutura para vasculhar a vida dele e de seus familiares. O defensor descreve o episódio de forma sucinta: “informar dossiê que estava sendo elaborado pelo Cabral”. O ex-governador, de fato, utilizou informações pessoais da vida de Bretas para tentar constrange-lo e, durante um interrogatório, o desafiou: “não se lava dinheiro comprando joias. Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto e sua família mexe com bijuterias. Se não me engano é a maior empresa de bijuterias do Estado”.
Ponto crucial no processo de chantagem, Marcelo Bretas também é acusado na carta de patrocinar uma ofensiva contra o ministro Gilmar Mendes, que atuava como relator de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as decisões do juiz fluminense, e de manipular processos para que a operação não fosse transferida para outro julgador do Rio. “Tenho um grande acervo de tratativas, inclusive as mensagens do Messenger – Facebook, onde o senhor age contra o ministro Gilmar Mendes, o qual tenho certeza que (…) gostaria de ter acesso”, afirma. Nythalmar não diz a que estava se referindo, mas sua delação dá algumas pistas. Nela, ele relata que o juiz e procuradores tentaram manipular um caso para que eventuais recursos contra as decisões de Bretas passassem a ser analisadas no STF não mais por Mendes, e sim pelo ministro Luiz Fux, tido como simpatizante da Lava-Jato. Em seguida, nova revelação. “Gravei há três anos aquela conversa para provar para o Cavendish que ele podia confessar, pois sabia da importância dessa confissão para a manutenção da Lava-Jato nas suas mãos”, relata. Em junho de 2021, VEJA revelou que Nythalmar Dias disse que Bretas prometeu “aliviar” a pena que daria ao empresário Fernando Cavendish.
O advogado também expõe casos turbulentos sobre os quais insinua ter feito “favores” a Bretas, como tê-lo avisado de que estava jurado de morte por uma autoridade pública que acabara de ser presa e de que havia um esquema de corrupção dentro da administração do governo de Wilson Witzel. Meses antes do envio das ameaças, Marcelo Bretas foi punido pela Justiça por participar de atos políticos com o ex-presidente Jair Bolsonaro. O episódio foi destacado no processo de chantagem como apenas o primeiro passo para o que Nythalmar previa como um caminho de completa destruição do magistrado.
Diz o documento: “lembre-se que o encontro com o presidente foi suficiente para puni-lo. Imagine se todos souberem tudo que sei, com as provas que tenho. Será o fim de suas – juiz e procuradores da FT (Força-Tarefa da Lava-Jato) – carreiras, trabalhos, imagens, famílias. Ou seja, tudo pelo que vocês lutam será destruído da mesma forma que vocês fizeram comigo com mentiras, abuso de poder e ilegalidade, por mera vaidade”. O segundo passo, sabe-se hoje, acaba de ser dado pelo CNJ.