Preso há um ano e quatro meses na Polícia Federal de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, já recorreu dezenas de vezes à Justiça na tentativa de ganhar a liberdade. O mais próximo que chegou disso foi em julho de 2018, quando o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, decidiu libertá-lo em um fim de semana. O ato desencadeou a novela “solta-não solta” de Lula, que teve a libertação decretada e revogada três vezes em sete horas.
Nos últimos tempos, as esperanças foram reavivadas por uma nova leva de recursos ao Supremo Tribunal Federal. Acostumada a rejeitar os pedidos, a Corte tomará as próximas decisões diante de um novo cenário. As mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa da Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro mudaram o humor até dos ministros mais entusiastas da operação. Alguns diálogos constrangeram — e enfureceram — magistrados, como Edson Fachin, relator da Lava-Jato. Dallagnol comemorou um encontro com o ministro escrevendo a frase “Aha uhu, o Fachin é nosso” em um grupo do Telegram que mantinha com procuradores. Mais alvoroço ocorreu neste mês, quando outros diálogos mostraram que o mesmo Dallagnol incitou procuradores a investigar os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes e suas esposas, o que não pode ser feito na primeira instância. A conduta caiu como uma bomba no STF. “Nada disso quer dizer que Lula será libertado, mas a visão de cada decisor a respeito dos métodos de membros dessas forças-tarefa é hoje bem diferente”, afirmou a VEJA um ministro. No dia 7, a mesma Corte que havia rejeitado quase todos os recursos do petista suspendeu por 10 votos a 1 sua transferência para o presídio comum de Tremembé, o que foi visto como sinal dos novos ventos que sopram no STF.
O primeiro recurso que pode soltar o ex-presidente tinha previsão de começar a ser analisado pela Segunda Turma na sexta 16. O julgamento, que vai até o dia 22, trata da suspeição de Moro, que teria quebrado o princípio da imparcialidade na condução do processo do sítio de Atibaia. O então juiz, que condenou Lula no caso do tríplex, tomou a maior parte das decisões na fase de instrução — a condenação foi proferida pela juíza Gabriela Hardt, que assumiu o caso após Moro virar ministro. Um dos principais argumentos foi o aval de Moro à condução coercitiva do ex-presidente em 2016, apesar de ele não ter sido intimado nem ter se recusado a depor. Caso o STF acate a tese, todas as decisões de Moro sobre Lula podem ser anuladas.
O segundo recurso, na mesma turma, é um habeas-corpus impetrado logo depois que Moro aceitou ir para o governo, movimentação que, para a defesa, prova que ele havia agido de maneira parcial, com o interesse de tirar o petista da eleição e beneficiar Bolsonaro. O caso ainda não tem data para ser reincluído na agenda. O terceiro pedido mira a suspeição da força-tarefa de Curitiba. A defesa pede acesso aos diálogos apreendidos na Operação Spoofing, que prendeu hackers dos celulares de Moro e Dallagnol. Para os advogados, as conversas provam que procuradores e juiz agiram em conluio contra seu cliente.
Apesar de as mensagens revelarem que Moro extrapolou o papel de juiz ao chefiar na prática a Lava-Jato, o que desequilibra a balança da Justiça, as investigações apresentaram uma vasta coleção de provas dos crimes desvendados. Foram descobertos um setor de propinas na Odebrecht, um esquema de corrupção gigantesco na Petrobras e o envolvimento de vários políticos, entre eles Lula, contra o qual pesa uma infinidade de provas materiais e testemunhais. Em delação revelada por VEJA, o ex-ministro Antonio Palocci diz que o PT recebeu 270 milhões de propina, inclusive para um filho do ex-presidente. “Concluir que o julgamento de Lula foi viciado não significa dizer que ele é inocente”, afirma um ministro do STF. Dessa forma, na hipótese mais otimista para a defesa, mesmo se deixar a cadeia, ele vai continuar respondendo por seus crimes.
Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648
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