Assessores pessoais de Bolsonaro fazem barulho nas redes com ‘fake news’
Tenente e sargento lotados no gabinete da Presidência alimentam teorias conspiratórias e, por esse tipo de comportamento, um deles já entrou no radar da PF
Em uma de suas célebres frases na série House of Cards, o personagem Frank Underwood (Kevin Spacey) compara a política ao mercado imobiliário: quanto mais próxima do centro do poder, maior o valor de uma propriedade. Se a premissa do inescrupuloso presidente americano da ficção for verdadeira no mundo real, dois assessores pessoais de Jair Bolsonaro podem considerar ter alguns dos passes mais valiosos de Brasília. Lotados no gabinete da Presidência, o tenente Mosart Aragão Pereira e o sargento Max Guilherme Machado de Moura estão sempre ao lado do chefe nas visitas que ele faz à claque de apoiadores na porta do Palácio da Alvorada ou em atos como os passeios de moto. Além da proximidade física, são unha e carne com o capitão no campo ideológico. Dentro e fora das redes sociais, os dois destilam o tempo inteiro paranoias, teorias conspiratórias, caneladas em adversários e fake news. O cardápio mais recorrente inclui a defesa do voto impresso, a ameaça do comunismo e o deboche a iniciativas da oposição, como os pedidos de impeachment. Embora não sejam citados como integrantes do célebre “gabinete do ódio”, estão entre os mais ativos executores do mesmo modus operandi, já fazendo por merecer uma comenda de honra do grupo.
A dupla tem feito tanto barulho nas redes sociais que um deles já virou alvo da Justiça. Pelos conteúdos que compartilha na internet, a partir de um relatório produzido pela PF, Max Guilherme entrou no inquérito das fake news que tem como relator Alexandre de Moraes, ministro que se tornou o principal anteparo institucional do STF contra os arroubos do bolsonarismo (veja reportagem na pág. 26). Max chegou a publicar uma crítica à Suprema Corte em que dizia estar pronto para a “guerra” e, por duas vezes, teve sua página tirada do ar pelo Facebook. No Instagram, onde ele e o outro assessor transmitem lives com o presidente, ambos tiveram publicações marcadas como fake news: Mosart compartilhou desinformação sobre o tratamento precoce contra a Covid-19. Max Guilherme, por sua vez, propagandeou a transposição de um trecho do Rio São Francisco que não foi inaugurado pelo presidente. Os dois estão também na mira da CPI da Pandemia no Senado, que ainda quer investigar a propagação de mentiras na crise sanitária.
A proximidade dos dois assessores precede a posse de Bolsonaro. Sargento licenciado do Bope, Max Guilherme fazia a segurança do então candidato — recebeu 10 000 reais do PSL pelo trabalho — e esteve ao seu lado na facada que sofreu em Juiz de Fora (MG). Em uma visita à sede do batalhão do Bope, Max recebeu um afago público de Bolsonaro, de quem ouviu “ter a honra” de tê-lo ao lado em todos os momentos de sua vida nos últimos anos. Com Mosart, a relação tem mais de duas décadas. O tenente do Exército que já serviu no Haiti considera-se da família: é casado com a irmã da ex-mulher de Renato Bolsonaro, irmão do presidente. Bastante ativo no Twitter, Mosart consegue gerar mais engajamento do que a conta da Secom, canal de divulgação do governo. Levantamento da Quaest, empresa de inteligência de dados, mostra que desde julho o assessor alcançou 49 milhões de perfis, enquanto a conta oficial chegou a 38 milhões de usuários.
Obedientes a Bolsonaro, os dois executam suas ordens e o representam em compromissos oficiais, como quando Max foi a Israel conhecer o malfadado spray nasal ou nas vezes em que Mosart se reúne com prefeitos do interior para ouvir suas demandas. A uma rádio do Vale do Ribeira, Mosart resumiu uma de suas funções: abastecer o presidente com informações. A atuação dos dois, entretanto, causa incômodo no Palácio do Planalto, onde alguns atribuem aos assessores certa influência capaz de levar a um comportamento delirante do presidente e até mesmo à demissão de auxiliares. Nos bastidores fala-se que Max teria atuado pela queda do almirante Flavio Rocha da chefia da Secom e que defendeu a chegada de André de Sousa Costa, um coronel da Polícia Militar, para comandar a secretaria responsável pela comunicação oficial. Com a visibilidade que alcançaram nas redes, é comum serem abordados para fotografias com apoiadores, o que também serve como um treinamento para uma possível nova carreira. A dupla do barulho tem sido estimulada a testar essa popularidade nas urnas, concorrendo ao cargo de deputado federal em 2022. Se conseguirem, serão dois radicais a mais no Congresso.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751