A um ano do início da campanha eleitoral para as prefeituras, as primeiras pesquisas de opinião mostram que a grande maioria dos governantes das capitais que poderão tentar um novo mandato larga em posição privilegiada para a disputa de 2024. Em catorze cidades mapeadas pelo instituto Paraná Pesquisas entre março e julho deste ano, nada menos que dez dos atuais ocupantes do cargo estão à frente nas sondagens de intenção de votos. Mais do que as projeções eleitorais, no entanto, já que os cenários de candidaturas ainda estão indefinidos, o que aponta para uma forte tendência à reeleição nos principais municípios são os bons índices de aprovação das atuais gestões (veja o quadro).
Alguns dos candidatos à reeleição que despontam em situação privilegiada nas fotografias de momento já foram campeões de votos em 2020. Um deles é o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), ungido com a maior votação proporcional do país na última corrida municipal (64,2% dos votos válidos) e que hoje tem o seu governo aprovado por 68% da população da capital baiana. João Campos (PSB), que precisou travar dura disputa no segundo turno com Marília Arraes (então no PT), tem hoje 66,3% do eleitorado satisfeito com a sua gestão no Recife.
Entre os quatro prefeitos que não lideram as primeiras pesquisas de intenção de voto, três deles têm um ponto em comum: eram vices em suas chapas em 2020, o que diminui o tamanho do recall por parte dos eleitores. Dois assumiram as prefeituras por causa da morte dos titulares antes da posse — Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo (no lugar de Bruno Covas), e Rogério Cruz (Republicanos), em Goiânia (que era vice de Maguito Vilela). Já Fuad Noman (PSD), de Belo Horizonte, ocupou o lugar de Alexandre Kalil quando ele deixou a prefeitura para tentar, sem sucesso, o governo de Minas Gerais no ano passado.
Um dos motivos para a boa popularidade dos atuais governantes é o caixa cheio. A maioria das cidades experimentou nos últimos anos um substancial aumento de receitas — em média de 20% nas capitais entre 2018 e 2022, segundo pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da Universidade de São Paulo (CEM/USP). Um bom exemplo é a maior cidade do país, São Paulo, que viu a arrecadação crescer 27% no período, o que significa muito dinheiro a mais (de 62 bilhões de reais para 78 bilhões de reais). Em Belo Horizonte, o caixa engordou 19% (de 11,5 bilhões de reais para 13,6 bilhões de reais). Nos dois casos, os ex-vices Nunes e Noman estão atrás nas pesquisas, mas o caixa cheio e a popularidade acima de 50% dão esperança de que possam virar o jogo até 2024.
As explicações para os reforços nos caixas são múltiplas e remontam a 2020, primeiro ano da pandemia. Além do socorro do governo federal, que liberou 60 bilhões de reais a estados e municípios, o auxílio emergencial de 600 reais pago a milhões de brasileiros aqueceu as economias locais e aumentou a arrecadação de tributos como o ISS (imposto sobre serviços). No ano seguinte, com a manutenção do benefício e um pique inflacionário, houve novos ganhos. Soma-se a isso o fato de que algumas despesas ficaram congeladas no período, como o salário do funcionalismo.
Boa parte desse dinheiro tem sido usada para investimentos em locais bem visíveis para a população, como obras viárias e intervenções de zeladoria urbana. No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (PSD), cuja gestão é aprovada por 55,8%, quer construir em Campo Grande, Zona Oeste — região em que foi derrotado em 2020 por Marcelo Crivela —, um anel viário, com dois túneis e ampliação de ruas, além de dois parques, entre outras obras. O custo total: 3,7 bilhões de reais, dos quais 30% poderão ser obtidos via BNDES. O mesmo caminho trilha Ricardo Nunes, em São Paulo. Com 36 bilhões de reais em caixa e 56,7% de aprovação, o sucessor de Covas também lança mão de obras viárias para alavancar a imagem, como um bilionário plano de recapeamento asfáltico. “Com o caixa mais cheio, as prefeituras puderam investir em habitação, urbanismo, áreas de infraestruturas”, afirma Ursula Peres, pesquisadora do CEM/USP.
Em meio ao cenário positivo, há quem patine em suas próprias crises. Em Fortaleza, o prefeito José Sarto (PDT), apesar de uma elevação de 15% na receita em 2022, tem um duplo motivo de preocupação: a alta rejeição de sua administração (50,9% a desaprovam) e baixo potencial eleitoral: ele aparece em terceiro lugar, com apenas 13,9% de intenção de votos, atrás do ex-deputado Capitão Wagner (União), com 38,1%, e da ex-prefeita Luizianne Lins (PT), com 26%, no último levantamento, feito em abril. Entre os prefeitos eleitos em 2020, ele é o único que não aparece à frente das pesquisas no momento. Ligado ao ex-presidenciável Ciro Gomes, Sarto está em uma ala antagônica à do senador Cid Gomes, que trava com o irmão uma disputa interna pelo comando do partido. Em meio a desgastes provocados pela criação de uma taxa do lixo, no ano passado, que acabou barrada na Justiça, o prefeito demonstrou interesse em concorrer à reeleição, com o apoio de Ciro, mas Cid prefere uma aliança com o PT, que governa o estado com Elmano de Freitas.
O fato de ter muito dinheiro nas mãos, no entanto, deve inspirar cuidados nos políticos que já estão com a máquina a todo o vapor em busca de dividendos políticos. “As ações de abuso de poder político, depois da inelegibilidade de Jair Bolsonaro por esse motivo, deverão aumentar no ano que vem, devido à postura mais firme que o Tribunal Superior Eleitoral adotou”, avalia o advogado Renato Ribeiro de Almeida, coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
A boa posição dos atuais prefeitos também deve ser colocada dentro do contexto político mais amplo. A taxa de reeleição havia dado um pico em 2020, quando chegou a 63% — quatro anos antes, em meio a uma onda de renovação política que se formava pelo país, ela havia sido de apenas 46%. A pandemia teve um impacto importante, não só em razão do aumento de caixa, mas também porque permitiu uma ampla exposição dos prefeitos em razão dos esforços diários para conter o avanço da Covid-19. Na eleição anterior, dez dos treze prefeitos de capitais que tentaram um novo mandato tiveram sucesso.
A eventual confirmação do favoritismo à reeleição preocupa, claro, quem quer mudar o cenário. Com a maioria das capitais governadas por políticos de centro-direita, é uma má notícia para o PT, que tenta se recuperar do fiasco de 2020, quando, pela primeira vez, não venceu em nenhuma capital. A esperança é Lula — em 2004, ano seguinte à chegada do petista ao poder, o partido elegeu nove prefeitos de capitais, seu recorde histórico. Mesmo assim, em São Paulo, onde a sigla já governou três vezes, a aposta para o ano que vem foi no apoio ao deputado Guilherme Boulos (PSOL), o segundo colocado em 2020. “O PT entendeu a importância de abrir mão de certas candidaturas, sob o risco de perder”, avalia o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie. Nas pesquisas, Boulos aparece hoje à frente de Ricardo Nunes. O prefeito de São Paulo tem o desafio de fazer valer a tendência de que os titulares dessa cadeira têm tudo para ficar mais quatro anos no cargo.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854