Bancadas ‘boi, bala e Bíblia’ pressionam governo na crise
Ligadas ao agronegócio, à segurança pública e à grupos religiosos, deputados aproveitam denúncia contra Temer para fortalecer pautas no Congresso
As principais frentes parlamentares da Câmara dos Deputados reforçaram nos últimos dois meses seus pedidos e demandas junto ao governo federal. A investida coincide com a crise provocada pela delação premiada do grupo JBS, em especial a do empresário Joesley Batista, que provocou a apresentação de uma denúncia, por corrupção passiva, contra o presidente Michel Temer (PMDB).
São três os grupos que fortalecem a pressão, as chamadas bancadas “BBB” – “do Boi”, ligada ao agronegócio; “da Bala”, por questões de segurança pública e direito ao armamento; e “da Biblia”, os deputados ligados à grupos religiosos. As três frentes reúnem a maioria dos deputados que não tem se posicionado se votarão a favor ou contra a aceitação da denúncia, prevista para ser decidida nesta quarta-feira na Câmara.
Além de distribuir emendas parlamentares e de receber mais de uma centena de deputados, Temer já atendeu algumas reivindicações das frentes e indica que poderá apoiar outras demandas históricas dos grupos. A sinalização mais clara foi dada à bancada ruralista, a mais organizada e combativa da Câmara, formada por 205 deputados.
Na semana passada, o deputado Beto Mansur (PRB-SP), vice-líder do governo, estimou os apoios do Planalto hoje em 280 parlamentares. É mais do que os 172 que o presidente precisa para barrar o prosseguimento da denúncia caso seja votada, mas menos do que o quórum mínimo de 342 para que o texto entre em pauta.
A expectativa, contudo, é de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente ao menos uma nova acusação formal contra o presidente, que ainda é investigado pelos crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa. Esta situação intensificou o clima de cobrança na Câmara.
‘Pauta positiva’
No mês passado, em meio à tramitação da denúncia, Temer destravou os principais itens da chamada “Pauta Positiva” apresentada pela Frente Parlamentar pela Agropecuária, a “bancada do Boi”, em maio de 2016 ao então vice-presidente , uma semana antes do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Entre os itens da pauta, foi sancionado no dia 11 deste mês a medida provisória que permite a legalização em massa de áreas públicas invadidas, apelidada por ambientalistas de “MP da Grilagem”. Oito dias depois, o presidente Michel Temer aprovou parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que determina que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deve balizar próximas demarcações.
“Estamos mantendo um bom diálogo com o governo em diversos aspectos, principalmente em pautas que não avançavam há muito tempo”
Deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), da Frente Parlamentar Agropecuária
O governo também encaminhou neste mês de julho ao Congresso um projeto de lei que altera os limites da Floresta Nacional do Jamanxim e cria uma Área de Proteção Ambiental de mesmo nome, no Pará. Na prática, o governo propõe o aumento da área passível de ser desmatada, o que gerou protestos de ambientalistas.
O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da frente, destaca avanços nas negociações com o governo Temer em relação a demarcação de terras indígenas, venda de terras para estrangeiros, licenciamentos ambientais e anistia às dívidas de agricultores com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), entre outras. “Estamos mantendo um bom diálogo com o governo em diversos aspectos, principalmente em pautas que não avançavam há muito tempo”, disse Leitão.
Nascituro
A Frente Parlamentar Evangélica, a “bancada da Bíblia”, conseguiu em junho que o Ministério da Educação determinasse a retirada de circulação de mais de 90 mil livros didáticos de conteúdo considerado impróprio pelos religiosos. A ação foi uma demonstração de força dentro da Comissão de Educação e mostrou a disposição do governo em dialogar com o grupo.
O deputado Alan Rick (DEM-AC), um dos líderes do grupo, afirmou que na volta do recesso a bancada deve concentrar suas atenções para proposições ligadas à descriminalização do aborto – mais especificamente o Estatuto do Nascituro, que, na prática, transformaria o aborto em crime hediondo.
Em tramitação desde 2007 – e já com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) –, o projeto deve ir ao plenário da Câmara tão logo a denúncia contra Temer seja um assunto do passado. Rick acredita que o Estatuto terá apoio do governo e de sua base. “Já conversei com o presidente e ouvi que ele, pessoalmente, é contra o aborto. Por isso, estou confiante que iremos conseguir barrá-las com o apoio do governo.”
Já conversei com o presidente e ouvi que ele, pessoalmente, é contra o aborto. Por isso, estou confiante que iremos conseguir barrá-las com o apoio do governo”
Dep. Alan Rick (DEM-AC), da Frente Parlamentar Evangélica
Desarmamento
Sem ter suas pautas atendidas de forma tão direta, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, a “bancada da Bala”, projeta para o segundo semestre uma resposta do governo à sua principal demanda: a revogação do Estatuto do Desarmamento.
O grupo quer que o projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que flexibiliza pontos do estatuto, seja lavado ao plenário. Entre os principais pontos estão o fim da obrigatoriedade da renovação do registro de armar e a redução da idade mínima para compra de armas de 25 para 21 anos.
“Temos que insistir na votação da flexibilização do Estatuto. O governo não pode ser tão reticente ao tema”, disse o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da bancada. “Antes era o viés da omissão. Agora, ao menos, estamos trazendo essas questões para o debate”, completou.
“A prioridade de Temer nesse momento é sobreviver. Por isso, a agenda prioritária será a do mercado. Mas passada a agenda das reformas, o PSDB deve desembarcar do governo. Ele ficará, então, nas mãos dos partidos mais fisiológicos e conservadores. Nesse momento ele vai encampar as demandas das frentes”
Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
Oposição
Para a deputada Érika Kokay (PT-DF), membro de frentes ligadas aos Direitos Humanos e de defesa das questões indígenas, as frentes ruralista e religiosa são mais fortes do que os próprios partidos e, por isso, “é natural” que o presidente se dirija a elas na hora de negociar sua sobrevivência. “Essas bancadas estão claramente colocando um ‘preço’.”
Para Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a fim de garantir apoio dos grupos de pressão, Temer está se comprometendo agora a encampar a agenda dos partidos conservadores, mas vai colocar os temas da bancada BBB na pauta só depois de aprovar as reformas.
“A prioridade de Temer nesse momento é sobreviver. Por isso, a agenda prioritária será a do mercado. Mas passada a agenda das reformas, o PSDB deve desembarcar do governo. Ele ficará, então, nas mãos dos partidos mais fisiológicos e conservadores. Nesse momento ele vai encampar as demandas das frentes.”
Já o sociólogo Murilo Aragão, da consultoria Arko Advice, avalia que as demandas dos grupos de pressão são mais um elemento nas negociações. “A agenda do agronegócio deve avançar. A bancada ruralista é muito organizada. Já a evangélica é mais difusa.”
Governo nega
Questionada sobre a pressão das chamadas bancadas “BBB” (Boi, Bala e Bíblia) e a vontade do governo em atendê-las, a assessoria do Palácio do Planalto informou, por meio de nota, que o presidente Michel Temer sempre recebe parlamentares em audiência para tratar de temas de interesse da população e suas decisões não têm relação com as bancadas a que eles pertencem. “Não existe relação entre as ações do Governo Federal na área de Meio Ambiente e votos de parlamentares em qualquer tipo de matéria.”
No caso de Jamanxim, o Planalto diz que buscou o “equilíbrio para atender aos moradores assentados há décadas no Jamanxim e para manter a proteção ambiental”. A decisão garantiria “a preservação de parte da aérea de reserva sem punir os brasileiros que vivem e têm atividades produtivas na região.”
Sobre o recolhimento do livro Enquanto o Sono não Vem, o Ministério da Educação confirma que ele ocorreu a pedido da bancada evangélica, mas afirma que a decisão obedeceu a critérios técnicos. “Com base em parecer técnico da Secretaria de Educação Básica (SEB), o ministro da Educação, Mendonça Filho, decidiu recolher os 93 mil exemplares do livro Enquanto o Sono Não Vem, distribuídos pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).” O parecer consideraria a obra “não adequada para as crianças de 7 a 8 anos do ensino fundamental, pela abordagem do tema incesto”.
(Com Estadão Conteúdo)