O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a ouvir o presidente Michel Temer (PMDB) e outras oito pessoas no inquérito que investiga o peemedebista pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na edição de um decreto que mudou as regras do sistema portuário.
Barroso, no entanto, determinou que a tomada de depoimento do presidente obedeça à regra prevista no artigo 221, do Código de Processo Penal, sobre a oitiva de autoridades pelo juiz no processo judicial na condição de testemunhas. Temer, no entanto, é investigado. “Assim, mesmo figurando o senhor presidente na condição de investigado em inquérito policial, seja-lhe
facultado indicar data e local onde queira ser ouvido pela autoridade policial, bem como informar se prefere encaminhar por escrito sua manifestação, assegurado, ainda, seu direito constitucional de se manter em silêncio”, escreve Barroso.
O ministro também autorizou a oitiva de dois ex-assessores de Temer – o subchefe de Assuntos Jurídicos da Presidência, Gustavo Rocha, e o ex-assessor especial Rodrigo Rocha Loures – e dois amigos do presidente José Yunes e João Batista Lima Filho, do ex-diretor de relações institucionais da JBS Ricardo Saud , de mais duas pessoas ligadas à Rodrimar S/A, empresa que teria sido beneficiada pelo decreto presidencial para o porto de Santos – o dono da empresa, Antonio Celso Grecco, e o executivo Ricardo Conrado Mesquita, além do operador Edgar Safdie.
Barroso também autorizou Dodge a ter acesso ao registro de doações eleitorais feitas pela Rodrimar e por outras empresas do mesmo grupo econômico — ou seus respectivos sócios — para Temer, o PMDB nacional ou o PMDB do Estado de São Paulo, pelo menos nas eleições de 2014 e 2016. Também permitiu que ela tenha tenha acesso aos registros de entrada deste ano no Palácio do Planalto de cinco pessoas citadas na investigação.
Também foi autorizado por Barroso o compartilhamento do material apreendido em buscas e apreensões, em uma ação controlada e numa interceptação telefônica, que estão nas mãos do ministro Luiz Edson Fachin, do STF. Dodge ainda poderá obter informações do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil referentes à atualização da legislação portuária.
As suspeitas são de que Temer favoreceu a empresa de terminais portuários Rodrimar S/A ao emitir o decreto 9.048/2017, que modificou a regulamentação do setor. O dono e presidente da Rodrimar, Antônio Celso Grecco, e o executivo da empresa Ricardo Conrado Mesquita também são investigados. Barroso ainda concordou com a prazo de 60 dias para a conclusão do inquérito pedido pela nova chefe do Ministério Público Federal.
O caso
As investigações da Polícia Federal na Operação Patmos flagraram conversas de Rocha Loures ao telefone em que ele articula com Mesquita sobre o decreto e conversa com integrantes do governo, incluindo o presidente, sobre o assunto. A empresa opera no Porto de Santos, tradicional área de influência política de Temer.
Em um telefonema a Gustavo do Vale Rocha, Rocha Loures tenta convencer o interlocutor sobre a necessidade de discutir uma medida que beneficiaria as empresas com concessões anteriores ao ano de 1993, a exemplo da Rodrimar, que tem um contrato nessas condições no Porto de Santos.
“Realmente é uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso… Já conseguiram coisas demais nesse decreto”, advertiu Gustavo Rocha, que escutou de Rocha Loures que era importante ouvir os interessados.
Notório por ter sido flagrado pela PF após receber uma mala com 500.000 reais do diretor de relações institucionais da JBS e delator, Ricardo Saud, o ex-assessor presidencial também tratou com Temer sobre a medida. Poucos minutos depois, ligou para Ricardo Mesquita, diretor da Rodrimar, para atualizá-lo sobre a edição do Decreto dos Portos. “É isso aí, você é o pai da criança, entendeu?”, disse Mesquita a Rocha Loures.
O pedido de abertura de inquérito foi feito pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Para ele, há provas de que Rocha Loures “atuou para produção de ato normativo que beneficiara justamente a sociedade empresária, possivelmente ligada às figuras de ‘Ricardo’ e ‘Celso’, no caso a Rodrimar S.A., nas pessoas de Ricardo Conrado Mesquita, diretor, e Antônio Celso Grecco, sócio e presidente”.
Veja aqui a íntegra da decisão de Barroso.
Defesa
No dia em que Dodge pediu para ouvi-lo, Temer, em post no Twitter, elogiou a postura da procuradora-geral da República. “Responderei aos questionamentos pertinentes ao inquérito, uma vez que tenho total interesse no esclarecimento do assunto. Destaco que a procuradora-geral Raquel Dodge fez o que sempre pedimos. Permitir que pudéssemos nos manifestar previamente no procedimento, respeitando o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Ao elogiar Dodge, o presidente fez uma crítica indireta ao antecessor dela, Rodrigo Janot. “Muito bom que a PGR agora tenha uma nova postura, sem querer parar o Brasil com denúncias vazias e irresponsáveis. É assim que se faz Justiça: com prudência e responsabilidade, ouvindo todas as partes envolvidas”.
Em nota, a Presidência da República afirmou que a assinatura do decreto ocorreu após “longo processo de negociação” entre o governo e o setor portuário. “O presidente da República, Michel Temer, responderá aos questionamentos pertinentes ao inquérito. Vale destacar que houve amplo debate com o setor antes da publicação do decreto de renovação das concessões de portos”, disse.
Também por meio de nota, a Rodrimar afirma que “nunca recebeu qualquer privilégio do Poder Público”. “Prova disso é que todos os seus contratos estão atualmente sendo discutidos judicialmente. O ‘decreto dos portos’ atendeu, sim, a uma reivindicação de todo o setor de terminais portuários do país. Ressalte-se que não foi uma reivindicação da Rodrimar, mas de todo o setor. Os pleitos, no entanto, não foram totalmente contemplados no decreto, que abriu a possibilidade de regularizar a situação de cerca de uma centena de concessões em todo o país. A Rodrimar, assim como seus executivos, estão, como sempre estiveram, à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento que se fizer necessário”.