O presidente Jair Bolsonaro voltou a falar nesta quarta-feira, 8, da eficácia de drogas à base de cloroquina e hidroxicloroquina, um de seus temas preferidos desde o início da pandemia do novo coronavírus. Dessa vez, a manifestação ocorreu pela rede social Instagram, e Bolsonaro apelou até para Hipócrates, considerado o pai da medicina e a quem é atribuído o juramento dos alunos que se formam na profissão.
De acordo com o presidente, “dois renomados médicos no Brasil se recusaram a divulgar o que os curou da Covid-19”. “Seriam questões políticas, já que um pertence à equipe do governador de SP?”, perguntou Bolsonaro.
Um dos médicos a que o presidente se refere é o infectologista David Uip, que foi contaminado com o vírus e voltou ao trabalho na segunda-feira, 6, onde coordena o Centro de Contingência de Coronavírus de São Paulo, criado pelo governador João Doria (PSDB), um dos atuais desafetos de Bolsonaro. Anteontem, durante entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da Band, Uip se negou a dizer quais medicamentos tomou durante o tratamento. “Eu segui regiamente o que me foi prescrito e orientado. Cabe ao meus médicos falar sobre terapêutica, eu não vou falar”, disse Uip.
O segundo médico a quem Bolsonaro se refere é o cardiologista Roberto Kalil Filho, que também foi atingido pela doença e teve alta do hospital na manhã desta quarta, 8, após dez dias de internação. Kalil, por sua vez, afirmou que cloroquina foi uma das drogas que o curaram. O cardiologista chegou a defender o uso do medicamento a todos os pacientes internados.
Bolsonaro vem pregando a adoção em larga escala de cloroquina no tratamento de doentes com Covid-19 como forma de flexibilizar as medidas de distanciamento social e permitir que as pessoas voltem ao trabalho, reduzindo os efeitos danosos da epidemia sobre a economia. A lógica do presidente é a seguinte: já que a maior parte da população vai se infectar com o vírus, que isso aconteça logo e que quem cair doente seja tratado com a cloroquina.
Os defensores do distanciamento social, entre eles o Ministério da Saúde, afirmam que o objetivo é que a infecção da população seja protelada para que o sistema de saúde consiga se preparar minimamente para atender àqueles que precisarem de internação. Há consenso de que, se todo mundo ficar doente ao mesmo tempo, não haverá leitos de hospital suficientes e, consequentemente, muita gente que não morreria vai acabar morrendo por falta de tratamento médico.
Mas o que Hipócrates tem a ver isso? “Absolutamente nada”, afirma o professor de medicina Fábio Leal, da Universidade de São Caetano do Sul (USCS) e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Uma das partes do juramento que o presidente poderia ter se apegado para envolver o pai da medicina na questão diz o seguinte: “Partilharei os meus conhecimentos médicos em benefício dos doentes e da melhoria dos cuidados de saúde”.
Segundo Leal, no entanto, a comunidade médica não têm nada contra a cloroquina ou a hidroxicloquina. “Nosso maior medo em relação à cloroquina é que ela não é uma droga inócua. Provoca arritmia cardíaca, por exemplo. Por isso que sempre nos baseamos em estudos científicos para saber se ela oferece mais benefícios ou prejuízos ao paciente. Não se trata de uma questão de opinião, mas de segurança, de ciência. Ninguém está querendo guardar um segredo e prejudicar a população doente”, afirmou o médico infectologista a VEJA.
O problema, explica Leal, é prescrever em massa uma droga sobre a qual ainda só temos indícios fracos de seu funcionamento. Nesse ponto, entra uma outra parte do juramento de Hipócrates, que Bolsonaro parece não ter levado em conta ao escrever a mensagem no Instagram. Ele diz o seguinte: “Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei”.
“Esse tema tem de ser discutido tecnicamente, mas, infelizmente, está sendo usado politicamente”, finaliza Leal.