Bolsonaro: imprensa é essencial para ‘chama da democracia’ não apagar
Declaração do presidente, que costuma atacar veículos de comunicação, ocorre na mesma semana em que o STF determinou censura de reportagem crítica a Toffoli
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou, na manhã desta quinta-feira, 18, que a imprensa é essencial “para que a chama da democracia não se apague”. A declaração foi dada durante a cerimônia de comemoração do Dia do Exército, em São Paulo, no Comando Militar do Sudeste. O presidente disse ainda que espera que “pequenas diferenças fiquem para trás”.
“Em que pese alguns percalços entre nós, precisamos de vocês [imprensa] para que a chama da democracia não se apague”, afirmou. “Precisamos de vocês cada vez mais, palavras, letras e imagens, que estejam perfeitamente emanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande, e reconhecido em todo o cenário mundial”, completou o presidente.
A postura de Bolsonaro contrasta com os ataques que frequentemente direciona à imprensa. Depois de a coluna Radar, de VEJA, noticiar que o presidente demonstrou desinteresse em reuniões com líderes partidários sobre a reforma da Previdência, chegando a se distrair em um computador, Bolsonaro declarou: “Quero ser amigo da imprensa, mas fica difícil. Todo dia são três ou quatro fake news”. Ele também já disse que o jornal Folha de S. Paulo é “toda a fonte do mal” na imprensa.
A declaração, porém, ocorre na semana em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que a revista Crusoé retirasse do ar uma reportagem que registrava um depoimento do empresário Marcelo Odebrecht, no qual o delator identifica o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, como o “amigo do amigo do meu pai” em um e-mail interno da empreiteira. Na época da mensagem, em 2007, Toffoli chefiava a Advocacia-Geral da União (AGU). A censura ao veículo foi determinada no início da semana no âmbito de um inquérito sigiloso aberto pelo presidente do STF para apurar notícias falsas e crimes contra a honra do Supremo.
Toffoli afirmou na noite da quarta-feira 17 que a liberdade de expressão não é absoluta e não pode ser utilizada para alimentar ódio e intolerância. “A liberdade de expressão não deve servir à alimentação do ódio, da intolerância, da desinformação. Essas situações representam a utilização abusiva desse direito”, afirmou o ministro. “Se permitirmos que isso aconteça, estaremos colocando em risco as conquistas alcançadas na Constituição de 1988”, acrescentou.
A abertura do inquérito e a decisão de determinar que a reportagem fosse retirada do ar foram alvos de críticas de parlamentares e de entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O inquérito sigiloso também gerou embates entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que chegou a anunciar o arquivamento da investigação. Moraes rejeitou a medida e manteve o inquérito, que acabou prorrogado por Toffoli por mais 90 dias.
Em nota conjunta, a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) disseram que a medida judicial representa censura e não se coaduna com a democracia vigente no país. “A decisão configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF”, afirmam.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que “causa alarme o fato de o STF adotar essa medida (…) justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal”. “O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender”, escreveu.
(Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil)