A dois anos da votação, despontam como favoritos para a próxima corrida ao Palácio do Planalto o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Lula, que ainda é considerado inelegível pela Justiça, e o ex-juiz Sergio Moro, um dos símbolos da Operação Lava-Jato. Pesquisa do Paraná Pesquisas divulgada por VEJA em julho mostrou que os três lideram nas intenções de voto com, respectivamente, 27,5%, 21,9% e 16,8%. Com pequenas variações nos porcentuais, outros levantamentos também detectaram o trio na dianteira. No meio político, uma das apostas correntes é na reedição, em 2022, da disputa entre o ex-capitão e o PT, como ocorreu em 2018. Fala-se também na possibilidade de um nome de centro, como Moro ou o governador João Doria (PSDB), romper essa polarização, aproveitando-se do desgaste dos rivais. O fato é que Bolsonaro, Lula e Moro são tidos desde já como protagonistas da sucessão presidencial. No caso das eleições municipais, porém, eles desempenham até aqui papéis de meros coadjuvantes. Os candidatos do presidente e do ex-presidente nas disputas pelas maiores prefeituras enfrentam dificuldades para deslanchar. Já Moro, sem caneta na mão e sem cargo público, submergiu e pouco se fala dele no pleito municipal.
O caso de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, é emblemático. Mesmo com a entrada de Lula na campanha, o candidato do PT à prefeitura, Jilmar Tatto, registra apenas 4% das intenções de voto e está na quinta colocação, segundo pesquisa do Datafolha realizada nos dias 20 e 21 de outubro. Diante desse resultado, setores da esquerda, e até estrelas petistas, passaram a defender a ideia de que Tatto desista de concorrer e o partido trabalhe por Guilherme Boulos, do PSOL, que aparece em terceiro lugar, com 14%. Se a desistência for consumada, o PT, que já elegeu três prefeitos em São Paulo, trocará o antigo sonho de hegemonia pela pragmática posição de satélite. Sinal dos tempos. Já Bolsonaro não tinha nem mesmo candidato na capital, mas, embalado pelo noivado com o Centrão, ele resolveu apoiar o deputado Celso Russomanno,, do Republicanos, partido ao qual se filiaram seus filhos Flávio e Carlos. Pode ser só coincidência, mas, após a associação com o presidente, Russomanno, despencou e perdeu a liderança para o prefeito Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição.
No Rio de Janeiro, o risco de o candidato de Bolsonaro não chegar ao segundo turno é ainda maior. Também filiado ao Republicanos, o prefeito Marcelo Crivella está na segunda colocação, empatado tecnicamente com Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). O líder, com folga, é o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). Ex-ministro de Dilma, Crivella reza cegamente pela bíblia bolsonarista numa tentativa de deslanchar. Até agora não conseguiu embalar devido, entre outros motivos, à rejeição estratosférica que lhe serve de âncora. O desempenho claudicante de nomes apoiados por Bolsonaro e Lula não significa um prenúncio de votações ruins para ambos em 2022 — no caso, obviamente, de o ex-presidente conseguir reverter a sua inelegibilidade. Segundo especialistas e políticos, as eleições municipais têm pautas e panos de fundo muito diferentes das disputas nacionais. “De um modo geral, o cidadão está mais preocupado com questões locais, mais próximas do seu dia a dia, do que com a ideia de país ou de sociedade, quando vai ter de escolher seu prefeito ou vereador”, diz o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro O Voto do Brasileiro. “Eleição para presidente faz o eleitor pensar na sociedade que ele projeta, enquanto na eleição para prefeito o sujeito quer que o ônibus circule, o posto de saúde funcione e que o buraco na rua seja tapado.”
Dados de uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) ao instituto MDA chancelam essa análise. Do total de entrevistados, 44,8% disseram que o apoio de Bolsonaro não influencia na escolha do seu voto no pleito municipal. No caso de Lula, o porcentual é de 38,2%. Menos de um terço dos entrevistados se diz disposto a votar de acordo com a recomendação desses dois padrinhos poderosos (veja o quadro). Professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, o cientista político George Avelino destaca que nem a pandemia de Covid-19, com seus custos econômicos e as quase 160 000 mortes registradas, nacionalizou a eleição municipal. Esse entendimento de que não há relação direta entre 2020 e 2022 talvez explique por que Sergio Moro se mantém distante da arena. Cortejado por diferentes partidos, o ex-juiz deve empunhar numa eventual campanha presidencial a bandeira do combate à corrupção. A pesquisa encomendada pela CNT lhe traz um dado ao mesmo tempo positivo e negativo. Para quase 40% dos entrevistados, a corrupção aumentou nos últimos dois anos. O número pode ser usado contra Bolsonaro, pois abrange o mandato do ex-capitão, mas também contra Moro, que durante a maior parte desse período era festejado como o “superministro” da Justiça.
Colaborou Nonato Viegas
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711