Caciques da política entram em rota de colisão na disputa em Alagoas
Briga pelo Senado embaralha a eleição para o governo e põe em conflito nomes como Lira, Renan e Collor
As aspirações de três caciques criaram uma situação intrincada no xadrez político de Alagoas para as eleições de 2022. Favoritos ao Senado, o governador Renan Filho (MDB) e o senador Fernando Collor (Pros) terão apenas uma cadeira para disputar — o ex-governador Ronaldo Lessa (PDT) corre por fora. Já seria uma briga difícil, mas nessa equação devem entrar ainda os planos do deputado Arthur Lira (PP), presidente da Câmara e que antagoniza com o senador Renan Calheiros, pai do governador, nos posicionamentos que adotam a respeito de Jair Bolsonaro. Enquanto Renan ampliou a sua projeção e o seu papel oposicionista na função de relator da CPI da Pandemia, ao atribuir ao capitão nove crimes na gestão da crise sanitária, Lira é o fiador do presidente junto ao Centrão e tem sido o responsável por levar adiante as pautas de interesse do Palácio do Planalto.
Como se não bastasse, o estado ainda pode ter de escolher por via indireta um novo governador no primeiro semestre do ano que vem. Bem avaliado, Renan Filho chegará ao fim de seu segundo mandato e terá de deixar o cargo no início de abril, como determina a lei eleitoral, sem um vice para assumir no seu lugar, já que Luciano Barbosa se elegeu prefeito de Arapiraca (segundo maior município do estado) em 2020. Assim, se quiser disputar o Senado, o governador terá de entregar o posto a Marcelo Victor (Solidariedade), presidente da Assembleia Legislativa e hoje próximo a Lira. Mesmo esse comando, no entanto, será transitório, já que a Constituição do estado prevê trinta dias para realizar eleição indireta pelos deputados estaduais de um governador para cumprir um mandato-tampão até dezembro de 2022. Apesar da rivalidade nacional, com esse cenário ninguém descarta nem mesmo a possibilidade de Renan pai e Lira chegarem a um nome de consenso para assumir o governo, e assim impedir que o estado caia nas mãos de outros políticos em ascensão, como o senador Rodrigo Cunha (PSDB) e o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB) — ambos cotados para disputar o governo.
A decisão que vai começar a desatar esse nó cabe a Renan Filho. Muito embora conte com o apoio do MDB e o desejo do pai de tê-lo ao seu lado no Senado em 2023, ele ainda despista sobre deixar o governo. “É uma decisão complexa. Tenho boas chances ao Senado, mas é preciso organizar a eleição ao governo e construir um projeto viável que mantenha as conquistas”, afirma, deixando em aberto a hipótese de concluir seu mandato e manter o espaço político apoiando outros nomes para senador e para a sua sucessão. A possibilidade de Renan Filho permanecer à frente do Palácio República dos Palmares até o fim do mandato, aliás, é a hipótese favorita do entorno de Collor, que veria fora da disputa o seu rival mais competitivo.
Nesse tabuleiro, outra variável a influenciar o movimento das peças é a eleição nacional. Enquanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá o apoio dos Calheiros em um estado onde já é favorito (o PT não perde uma disputa presidencial em Alagoas desde 2002), Bolsonaro aposta na proximidade com Lira e no apoio de Collor para garantir palanque na região onde amarga altos índices de rejeição — segundo pesquisa Quaest de outubro, 61% dos nordestinos avaliam de forma negativa seu governo. É importante ressaltar que o conhecido pragmatismo do Centrão pode afastar Lira de Bolsonaro se este não demonstrar que pode se reeleger. O mesmo movimento seria muito mais difícil da parte de Collor, que não só faz gestos mais contundentes de alinhamento a Bolsonaro, como conta com o eleitorado à direita para se manter na disputa contra Renan Filho e o apoio de Lula. “A leitura do Centrão é que Bolsonaro não é a melhor tábua de salvação, mas é a única que eles têm, então isso será utilizado em benefício deles, não necessariamente do Bolsonaro. Localmente, é mais importante garantir que deputados sejam eleitos e reeleitos, formar alianças com prefeitos”, diz o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas.
Berço dos dois primeiros presidentes da República, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, além de Collor, a política alagoana tem um peso nacional inverso ao seu território e participação na economia do país. Alagoas é o segundo menor estado em tamanho e ocupa apenas a vigésima posição no ranking dos PIBs estaduais, segundo o IBGE. Só neste ano Bolsonaro fez duas visitas ao estado, ao lado de Lira e Collor, onde inaugurou obras e fustigou Renan em razão de seu papel na CPI da Pandemia. Qualquer que seja o resultado das eleições em Alagoas, é quase certo que o estado voltará a impactar a política nacional. O desempenho nas urnas pode fortalecer (ou não) os projetos de Renan e Lira. O primeiro deseja voltar a presidir o Senado, Casa que comandou em quatro oportunidades — o plano foi frustrado em 2019, quando deixou a disputa ao perceber que seria derrotado por Davi Alcolumbre (DEM-AP). Já o deputado quer se reeleger para o comando da Câmara em fevereiro de 2023, o que também vai ajudar a calibrar o seu apoio nas eleições presidenciais — ter um adversário no Planalto seria um golpe na sua pretensão. Dessa forma, mais uma vez, o que acontece em Alagoas terá repercussão nacional.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762