Candidatos à Presidência fazem ofensiva em Minas, que pode definir eleição
Aliados de Bolsonaro já veem virada no estado. Na batalha para conquistar votos, Lula apostará no discurso destinado aos mais pobres e ao agronegócio
Desde a retomada das eleições diretas para presidente da República, em 1989, todos os candidatos mais votados em Minas Gerais conquistaram o Palácio do Planalto. Apesar do desgaste de popularidade provocado pelas manifestações de rua de junho de 2013 e pelas primeiras descobertas da Operação Lava-Jato, até Dilma Rousseff conseguiu a reeleição embalada por uma vitória no estado, onde obteve uma vantagem de 550 000 votos, no segundo turno, sobre Aécio Neves, que havia comandado duas vezes o governo mineiro. Até aqui, a regra é clara: venceu em Minas, sagrou-se presidente. Não à toa, os quatro postulantes mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto passarão pelo estado em setembro. Nos últimos dias, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) realizaram atos de campanha em Belo Horizonte e Montes Claros, respectivamente, falaram de seus planos de governo e reverenciaram personalidades locais. Vice de Jair Bolsonaro (PL), o general Braga Netto também visitou o estado. Na quinta-feira 15, foi a vez de Lula (PT), que organizou uma agenda em Montes Claros para tentar frear o crescimento de Bolsonaro no eleitorado mineiro. A iniciativa do ex-presidente tem razão de ser.
Pesquisa Genial/Quaest realizada em Minas Gerais entre os dias 3 e 6 de setembro mostrou que Lula lidera a corrida presidencial no estado com 43%, enquanto Bolsonaro tem 36%. A diferença, de 7 pontos porcentuais, era de 25 pontos em março e de 18 em julho. O petista, portanto, tenta evitar uma virada que, de acordo com aliados de Bolsonaro, já teria ocorrido. Na semana passada, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), avisou a um interlocutor em Brasília que Bolsonaro ultrapassou Lula no estado, segundo indicadores de pesquisa para consumo interno encomendada pela campanha de Zema. A informação rendeu até uma comemoração do ministro Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, numa rede social. “Datafolha, só para avisar, viramos em Minas”, escreveu o ministro. De acordo com o Datafolha, Lula tem 45% e Bolsonaro 34% na simulação de primeiro turno, considerando o cenário nacional. A coordenação de campanha de Bolsonaro prefere os números do Instituto Paraná Pesquisas, que é contratado pelo partido do chefe da Casa Civil e, em seu levantamento mais recente, deu uma vantagem de apenas 3 pontos para o petista.
A alegada virada em Minas e a incontestável redução da vantagem de Lula no estado representam avanços importantes para Bolsonaro, já que Zema disputa a reeleição em 2022 sem pedir votos para o presidente, como fez em 2018. Mas o distanciamento entre os antigos aliados é apenas aparente. Em meados deste ano, Zema se reuniu com Ciro Nogueira a fim de definir uma estratégia que fosse interessante para os dois candidatos à reeleição, o governador e o presidente. Com medo da rejeição a Bolsonaro atrapalhar a sua campanha, Zema disse que posaria de independente e não declararia apoio ao mandatário no primeiro turno. Mas, para derrotar o nome de Lula na corrida ao governo de Minas, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), o governador avisou Ciro Nogueira de que bateria sem dó no PT, usando as denúncias de corrupção contra estrelas mineiras do partido, como o ex-governador Fernando Pimentel.
A independência consentida de Zema tem rendido frutos a ele, que lidera a corrida ao governo com 47%, bem à frente de Kalil, com 28%. Nome oficial de Bolsonaro na disputa, o senador Carlos Viana (PL) tem apenas 2%. Apesar de estar na rabeira, ele cumpre uma função estratégica para o presidente ao usar a propaganda eleitoral e suas andanças pelo estado para divulgar ações do governo federal. Se Zema ajuda a estimular o antipetismo, Viana dá publicidade a medidas de Bolsonaro de forte apelo popular. “No começo do ano, o ex-presidente estava com 24 pontos de vantagem. Hoje, essa distância é de 7 a 8 pontos. Isso se não estiver empatado”, diz o senador. “Minha candidatura foi fundamental nesse sentido, porque pretendo explorar os feitos de Bolsonaro em Minas por meio do programa eleitoral e viajando para o interior do estado, levando informação a quem não tem”, acrescenta. Na eleição de 2018, Bolsonaro venceu Fernando Haddad em Minas, no segundo turno, por uma diferença de 1,8 milhão de votos. No primeiro turno, a vantagem tinha sido maior, de 2,3 milhões de votos. Na eleição passada, o PT ainda testemunhou o fracasso da favorita Dilma na campanha ao Senado.
Para fortalecer sua posição em Minas em 2022, o partido, sob ordens de Lula, rifou a candidatura do deputado federal Reginaldo Lopes ao Senado, abrindo espaço para que o senador Alexandre Silveira (PSD) busque a reeleição. Líder da bancada na Câmara dos Deputados, Lopes coordena a campanha do ex-presidente no estado. Numa dessas coincidências típicas da política, ele anunciou a visita de Lula a Montes Claros no mesmo dia em que Ciro Nogueira postou a mensagem na qual divulgou a suposta virada de Bolsonaro em Minas. “É uma fake news do ministro Ciro Nogueira. Ele sabe que a desvantagem de Bolsonaro em Minas é grande. Imagino que ele queira fazer um movimento de sinalizar ao Brasil que a diferença diminuiu. É um governo que não trabalha. Se trabalhasse, não precisaria disso”, afirma Lopes.
Na batalha para conquistar Minas, Lula apostará no discurso destinado aos mais pobres, como tem feito em todo o país, e dará atenção especial ao agronegócio e aos industriais locais, prometendo inclusive melhorias na área de infraestrutura. Na terça-feira 13, Geraldo Alckmin, vice na chapa do PT, foi a Uberlândia com o objetivo de conversar com representantes desses setores. Aliados do ex-presidente também contam com a ajuda dos prefeitos, que, segundo os petistas, estariam trabalhando de forma majoritária por Lula. A tese é controversa, já que o entorno de Bolsonaro alega que a maioria das prefeituras está com o presidente, porque os municípios receberam uma enxurrada de recursos por meio do chamado orçamento secreto. “O nosso foco é Minas e São Paulo. O presidente entendeu isso e está dando resultado”, declara um ministro. Os petistas desdenham das projeções do adversário e lembram que, como em campanhas anteriores, ocorrerá voto cruzado. Eles afirmam que haverá o movimento “Luzema”, com voto em Lula para presidente e Zema para governador, como houve em 2006 o Lulécio, Lula para presidente e Aécio para governador.
Antes da realização do primeiro turno, tanto Lula como Alckmin visitarão mais uma vez Minas. A meta dos petistas é percorrer até o dia da votação, com o auxílio de deputados e vereadores, todas as regiões do estado, que tem 16,2 milhões de eleitores e é o segundo maior colégio eleitoral do país. Políticos e analistas costumam repetir que Minas é considerado estratégico por ser uma amostra do Brasil e espelhar em suas regiões a diversidade nacional. A força do agronegócio do Centro-Oeste, por exemplo, se faz presente no Triângulo Mineiro e a pobreza do Nordeste se repete no Vale do Jequitinhonha. Isso explicaria a regra segundo a qual quem tem mais votos em Minas conquista a Presidência. Uma regra que Lula e Bolsonaro conhecem, respeitam e querem manter — desde que, claro, sejam vencedores no estado.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807