Ao longo de 4.178 páginas de investigações militares, policiais e do Ministério Público da Bahia, nenhuma das autoridades incumbidas da apuração das circunstâncias da morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega conseguiu identificar o que causou uma queimadura, em formato circular, encontrada no peito do chefe do grupo de extermínio Escritório do Crime.
O ferimento, compatível como a marca do cano aquecido de uma arma de grosso calibre, é, para a família do ex-capitão do BOPE, o indício mais claro de que o militar foi torturado antes de ser abatido em uma operação policial no município de Esplanada, em fevereiro de 2020.
Instados a se manifestar sobre o que poderia ter causado a queimadura no tórax, peritos da Polícia Civil do Rio afirmaram que não poderiam confirmar a hipótese de uma arma longa aquecida ter sido usada para marcar o miliciano porque “desconhecem a dinâmica do evento”. Responsável pela exumação e pelos exames finais no corpo de Adriano um ano e meio após o assassinato, a Polícia Federal também não apresentou respostas para o ferimento porque o cadáver já apresentava diferentes graus de decomposição, inviabilizando uma nova investigação sobre as causas da ferida.
Para o Ministério Público da Bahia, que pediu o arquivamento do caso sem conseguir apontar se os três PMs que dizem ter entrado em confronto com o chefe do Escritório do Crime o executaram ou se agiram em legítima defesa, a falta de explicações convincentes sobre o ferimento impede que se tenha certeza sobre quem de fato está falando a verdade – se a família, que sustenta a hipótese de sevícias, ou os policiais, que negam tortura e afirmam ter havido uma troca de tiros.
“A existência de queimadura circular não explicada no corpo de Adriano da Nóbrega, que pode ter ocorrido ou não durante a Intervenção, e a não preservação da cena violenta, impedem a formação de uma ‘certeza absoluta’ ou ‘prova plena’, exigíveis para um arquivamento meritório análogo à absolvição sumária”, escreveram os promotores baianos ao pedir para que o caso, às vésperas de completar quatro anos sem solução, seja arquivado.
Outra ponta solta que por anos alimentou a conjectura de que não houve troca de tiros antes de Adriano da Nóbrega ser executado é a presença de um disparo que partiu de cima para baixo, entrou pela clavícula direita e saiu pelas costelas do miliciano.
A trajetória sugere que o alvo estava em queda ou já caído quando foi atingido, o que, alega a família, seria a prova de ter havido um tiro de misericórdia. Laudo do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, a que VEJA teve acesso, trata como “hipótese válida” a interpretação de que o ex-capitão do BOPE, alvejado por um primeiro tiro de fuzil, tenha se desequilibrado e recebido o segundo disparo, no peito, enquanto caía, sem que isso represente necessariamente que houve execução.