Anunciado há duas semanas como o maior partido do país, o União Brasil foi criado com a intenção de abrigar uma aliança política forte o suficiente para fazer frente à polarização entre Bolsonaro e Lula nas eleições do ano que vem. Os mentores do projeto, nascido da fusão do DEM com o PSL, gostam de reforçar que, por ser independente, a legenda reúne todas as condições de ter um candidato competitivo ou, dependendo do cenário, hospedar um nome de consenso que representaria a chamada terceira via. O desafio será encontrar um denominador comum dentro de um enorme balaio de interesses divergentes, alguns absolutamente antagônicos. Há simpatizantes de uma candidatura própria, mas também há grupos que se dividem entre apoiar o atual presidente da República, o pedetista Ciro Gomes, o ex-juiz Sergio Moro e o governador João Doria. Quando se ouve o que pensam alguns dos 82 deputados federais que compõem a mais nova bancada do Congresso, percebe-se o tamanho da babel.
O União Brasil, ao menos formalmente, nasce com três potenciais candidatos à Presidência da República — o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o apresentador de TV José Luiz Datena —, mas não há nenhuma garantia ou sinalização concreta de que um deles vá efetivamente disputar as eleições do ano que vem como cabeça de chapa. Mandetta ganhou projeção nacional no início da pandemia, especialmente depois de se desentender com Bolsonaro sobre a estratégia de combate ao coronavírus. Testado nas pesquisas há mais de um ano, ele nunca conseguiu deixar a rabeira. A situação de Rodrigo Pacheco não é muito diferente. Eleito presidente do Congresso com o apoio do governo, o senador assumiu uma postura de independência em relação ao Planalto, o que lhe garantiu certa projeção, mas continua praticamente anônimo para o grande público. Dos três pretendentes, Datena é, de longe, o mais conhecido e o que aparece com mais destaque nas primeiras pesquisas de intenção de voto — o que não significa necessariamente que ele vai chegar lá.
Antes tratado como uma possibilidade remotíssima, quase uma galhofa, Datena hoje não pode ser descartado (leia entrevista). Desde a saída de Bolsonaro, o PSL busca um nome que possa ajudá-lo a repetir a receita e manter-se em evidência como um operador político importante no cenário nacional. Conhecido por sua carreira na televisão, mas sem experiência parlamentar e partidária, Datena diz ter recebido a garantia do presidente do União, Luciano Bivar, de que seria candidato à sucessão de Bolsonaro. Não será assim tão fácil, claro. Reservadamente, os dirigentes da nova sigla ressaltam que o apresentador é visto com desconfiança pelos próprios correligionários por não ser do ramo.
Com os três pré-candidatos em dificuldades, algumas correntes do União Brasil se sentem à vontade para experimentar as mais diversas opções — inclusive a de não ter nenhum candidato a presidente. O novo partido não esconde que essa aparente desunião embute uma velha estratégia. “Temos de estar dispostos a apoiar qualquer nome que se mostre competitivo, sob pena de acabarmos isolados”, afirma o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). A senha serve, inclusive, a Jair Bolsonaro. A despeito de relações estremecidas com o presidente, um grupo de diferentes dirigentes do DEM e do PSL avalia não ser estratégico politicamente implodir desde já as pontes com o bolsonarismo, principalmente se o segundo turno for disputado, como preveem as pesquisas de intenção de votos, entre Bolsonaro e Lula. “Estamos acompanhando o desempenho dos nomes de Mandetta, Pacheco e Datena. Se não houver viabilidade deles lá na frente, o partido saberá escolher outro rumo. O apoio no segundo turno a Bolsonaro não está descartado”, diz o deputado Efraim Filho (DEM-PB), que integra o comando nacional do União Brasil.
Estima-se que cerca de 25 deputados federais tidos como bolsonaristas devam deixar o partido nos próximos meses, mas nem isso pode ser considerado como absolutamente certo. Realidades regionais, como a candidatura do ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, ao governo do Rio Grande do Sul e o apoio de grande parcela do agronegócio ao presidente, também podem acabar influindo na posição do partido. “A terceira via não vai se viabilizar. Havendo segundo turno é importante que o União mantenha a porta aberta e apoie a reeleição do presidente”, defende o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo.
Há flerte também com os tucanos, apesar da rejeição momentânea que existe hoje a João Doria. O governador de São Paulo comprou briga com a cúpula do DEM ao insuflar desavenças do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia com a legenda, mas o União Brasil contabiliza como um ativo nada desprezível as ligações de Luiz Henrique Mandetta com o líder tucano. Depois de defenestrado do Ministério da Saúde, Mandetta despachou parte de seus auxiliares para o secretariado de Doria para coordenar políticas de combate à pandemia. O ex-ministro também integra um grupo que se reúne com frequência com o governador paulista em busca de um candidato que possa personificar a antipatia dos eleitores a Lula e Bolsonaro. “Um dos caminhos pode ser não lançar candidato e nos concentrarmos nas eleições de deputados e senadores. Eu mesmo posso não ser candidato”, admite o próprio Mandetta.
Até acenos à esquerda, algo meio improvável pelo posicionamento à direita no espectro político, são feitos hoje pela sigla. E a especulação vem lá do alto. Numa demonstração de que o jogo realmente ainda está em aberto, um dos principais líderes da legenda, ACM Neto, não descarta nem mesmo uma aproximação com Ciro Gomes. “Não retiraria Ciro Gomes e o PDT desse diálogo. Apesar de não concordar com tudo que é o pensamento de Ciro, acho que é uma pessoa que tem espírito público e quer ajudar a construir um ambiente melhor para a política brasileira”, diz Neto, secretário-geral do novo partido.
Além de Doria, Ciro, Bolsonaro e os três pré-candidatos próprios, há ainda um último grupo correndo pelas beiradas que sonha em ter o ex-juiz Sergio Moro em suas fileiras. Consultado à respeito, o ex-ministro da Justiça teria dado o consentimento para que uma sondagem nessa direção fosse feita internamente, embora ele próprio ainda não tenha decidido se vai disputar as eleições. “Não podemos descartar a discussão de uma candidatura de Sergio Moro. Tenho trabalhado para trazê-lo para a sigla”, confirma o deputado federal Junior Bozzella (PSL-SP), que comanda a ala batizada de morista dentro da sigla. Como se vê, o União Brasil, ao menos por enquanto, só é unido em seu nome.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760