Como Bruno Covas administra o cotidiano em meio a uma batalha pela vida
Enquanto trava luta contra um câncer agressivo, o prefeito dorme no trabalho para tentar administrar a crise do coronavírus na maior cidade do país
Diante de graves crises, homens públicos se encolhem ou revelam sua grandeza e força. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, de 39 anos, escolheu fazer parte do segundo grupo. Antes da chegada do terremoto da Covid-19, já teria motivos de sobra para largar a vida pública quando recebeu, no ano passado, o diagnóstico de um câncer agressivo se espalhando por seu organismo. Pacientes nessa situação precisam encarar com urgência a batalha pela vida, e foi o que ele fez, mas sem abandonar a administração da cidade e os planos para a reeleição em 2020. Realizou reuniões de trabalho entre as sessões de quimioterapia. Segue ainda na batalha, só que agora se dividindo diante de outra guerra. Para enfrentá-la, fez uma mudança às pressas há duas semanas. Trouxe a cama, roupas e imagens religiosas de seu apartamento para o 5º andar do Edifício Matarazzo, sede da prefeitura paulistana. Foi de mala e cuia para estar 100% disponível e ajudar a mitigar a crise do coronavírus na maior cidade do país, que concentra atualmente quase um terço dos casos da doença no Brasil.
A mudança abrupta foi antecedida por um momento de certo alívio em meio à luta contra o câncer. Entre outubro e fevereiro, Bruno se submeteu a oito sessões de quimioterapia, cada uma com trinta horas de duração, no Hospital Sírio-Libanês. O objetivo da superdosagem era minar o tumor surgido na cárdia, a transição entre o esôfago e o estômago, com metástase no fígado e nos gânglios linfáticos. Há um mês, novos exames mostraram que o tumor da cárdia e o do fígado haviam desaparecido. A má notícia foi que o sistema linfático ainda registrava células cancerígenas. Os médicos adotaram uma nova estratégia de combate, a imunoterapia. Bruno fez até o momento duas das treze sessões previstas. Os resultados o deixaram animado. O tom da pele ficou menos amarelado e o paladar voltou. A possibilidade de retomar a vida sem muitas preocupações além da já estafante tarefa de administrar uma cidade de 12 milhões de habitantes caiu por terra com a chegada da Covid-19.
Nos últimos dias, Bruno Covas tem deixado seu gabinete-residência todas as manhãs para compromissos como acompanhar a instalação de um hospital de campanha no Estádio do Pacaembu e dar entrevistas coletivas ao lado do governador João Doria. “A sensação é que o Bruno colocou São Paulo em primeiro plano, e depois a si próprio”, diz Fabio Lepique, secretário executivo da prefeitura. A ausência de cabelos e de pelos passa uma imagem de fragilidade, mas pessoalmente o prefeito tem semblante sereno. “Para quem encara um câncer, não há tempo a perder. O Bruno tem pressa e demonstra isso também no front contra o coronavírus”, afirma o vereador Police Neto (PSD). Como precaução, Bruno tem encerrado o expediente por volta das 17 horas, quando faz uma reunião virtual com seus secretários pelo app “teams”. Além da instalação de dois hospitais de campanha, foi dele a ideia de colocar pias no centro da capital para os moradores de rua. A população sem-teto nunca foi tão grande na cidade: 24 300 pessoas vivem em calçadas ou debaixo de viadutos.
Filho de Renata, a única filha mulher do casal Mario e Lila Covas, Bruno desde sempre foi apaixonado por política. Aos 14 anos, mudou-se de Santos para o Palácio dos Bandeirantes, quando seu avô governava o Estado de São Paulo, e atuou no Clube dos Tucaninhos, associação para formar novas lideranças do PSDB. Nessa época, era comum participar de reuniões com secretários. Os porta-retratos espalhados pela residência oficial mostram que Bruno era o neto favorito de Mario Covas. “Ele convive com o poder desde cedo, porém foi criado de forma a sempre ter os pés no chão”, diz Fernando Padula, amigo de juventude e padrinho de seu casamento com a economista Karen Ichiba. O casal se divorciou em 2014 e, desde então, Bruno continua solteiro. O homem que chegou a pesar 110 quilos aderiu aos treinos intensivos de academia, interrompidos com a descoberta do câncer. A superdosagem de quimioterapia acarretou crises de náuseas e fraqueza profunda. O prefeito perdeu mais de 10 quilos por causa da falta completa de apetite. No momento, a balança registra 85 quilos.
Sua carreira política começou de forma precoce e vinha evoluindo até aqui com grande velocidade. Foi eleito deputado estadual aos 26, cargo para o qual ficou por duas legislaturas. Aos 34, virou depurado federal. Estava no meio da legislatura quando foi convidado por Doria para ser o vice na vitoriosa campanha municipal de 2016. Assumiu a prefeitura em abril de 2018, quando o cabeça da chapa deixou o cargo para disputar o governo estadual. À época, uma pesquisa Datafolha mostrava que apenas 30% dos paulistanos sabiam quem era Bruno Covas. “Antes mesmo da doença, o Bruno já havia mudado a postura”, diz o vereador Mario Covas Neto, o Zuzinha, seu tio. “Ele tinha uma imagem de baladeiro, mas agora se mostra preocupado com a cidade.”
Pupilo de Mario Covas, político que teve uma atuação marcante no país no período da redemocratização e salvou o Estado de São Paulo de uma delicadíssima situação financeira nos anos 90, o ex-governador Geraldo Alckmin vê semelhanças entre neto e avô. “Os dois são corajosos de tratar o câncer com transparência”, afirma. Numa triste coincidência, Mario Covas travou longa batalha contra um câncer na bexiga antes de morrer da doença, em 2001. “Ninguém atravessa um problema desse tamanho da mesma forma que entrou, e o Bruno demonstra vontade de servir, daí trabalhar tanto contra o coronavírus”, acrescenta Alckmin. Quando surgiu a notícia do tumor, houve um debate até dentro do PSDB sobre se ele teria condições de seguir no trabalho e na campanha à reeleição. Hoje, o volume dessa discussão desapareceu. “Há uma conta que ele deve fazer, mas jamais assumir: o prefeito sabe que, ao demonstrar se importar com a cidade durante o tratamento, vai ganhar carinho e votos do público. O Bruno é candidatíssimo à reeleição”, diz um vereador.
Com pé-direito de 5 metros, o gabinete transformado em quarto faz a cama parecer diminuta. Bruno atravessa as noites no andar de 2 000 metros quadrados. De vez em quando, sobe ao terraço do edifício, sozinho, e anda por lá admirando o Vale do Anhangabaú. Sentiu um baque na semana passada, com a morte de sua avó Lila, aos 87 anos, que sofria de Alzheimer. Devido ao surto da Covid-19, não houve velório por questões sanitárias. “Faremos alguma cerimônia sabe-se lá quando”, conta Bruno, sentido. No mesmo período, recebeu uma notícia que lhe trouxe um grande alívio. Após seu amigo e médico David Uip testar positivo para o coronavírus, Bruno se submeteu ao exame. Felizmente, deu negativo. O prefeito costuma ver o noticiário tendo como intermediário entre o sofá e a TV um centro de mesa transformado em santuário, com cinco imagens de Nossa Senhora Aparecida, duas de Nossa Senhora de Fátima e santos como São José e Santa Rita de Cássia. Todos eles foram dados por paulistanos que rezam por sua cura. No dia 7 de abril ele completará 40 anos, em companhia do filho. Vão comemorar a data no quarto-escritório da prefeitura, pois não há como sair de lá justo no momento em que a pandemia estará chegando ao ponto mais crítico. No dia seguinte, fará a terceira sessão de imunoterapia, seguindo na sua luta diante de um desafio duplo. Não é fácil ser grande.
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680