Na quinta-feira 17, o saguão do B Hotel, em Brasília, estava apinhado como de costume. O lugar, que já hospedou nomes como o do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da Índia, Ram Nath Kovind, é atualmente o ponto de encontro preferido de políticos e autoridades da capital. Lobistas e empresários também compartilham o espaço. Naquele dia, chamou a atenção dos hóspedes e frequentadores a presença discreta de um personagem que, em outros tempos, provocaria um enorme burburinho. Sentado em uma mesa no canto do salão, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha conversava tranquilamente com dois amigos e a filha, Danielle, sem o séquito de seguranças e assessores, sem ser interrompido ou abordado a todo instante como outrora. Depois de algumas xícaras de café, ele se levantou e foi até uma mesa próxima, onde um homem já o aguardava. Mais alguns minutos depois, o ex-deputado se despediu do interlocutor, caminhou até a portaria e embarcou em um táxi comum para cumprir a agenda do dia de seu mais novo e ambicioso projeto: retornar ao Congresso.
Afastado da política há quase seis anos, Eduardo Cunha já ostentou o título de parlamentar mais poderoso do país. Hábil, articulado e com um pensamento muito lógico, qualidades raras em Brasília, ele era um especialista na arte de usar as prerrogativas parlamentares para obter benesses no governo e no setor privado. Esse talento está na raiz de sua ascensão. Em 2013, em seu terceiro mandato, tornou-se líder da bancada do MDB, então o maior e mais influente partido no Congresso. Dois anos mais tarde, foi eleito para a presidência da Câmara. A Operação Lava-Jato descobriu que o parlamentar mantinha contas secretas no exterior. Era o início de sua queda. Na época, o PT apoiou uma representação movida contra ele no Conselho de Ética. Em resposta, Cunha articulou para aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que também era alvo da mesma investigação. O resto da história é conhecido. A petista foi afastada do cargo e o deputado foi cassado, condenado e preso por corrupção — uma sequência mais que suficiente para soterrar definitivamente a carreira de qualquer político.
A recente reviravolta jurídica na Operação Lava-Jato mudou completamente o destino que parecia certo. Cunha havia sido condenado a 55 anos de prisão em três processos. Dois deles, porém, foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. O terceiro tende a seguir o mesmo caminho. O parlamentar ainda está com os direitos políticos suspensos, o que ele acredita que também conseguirá reverter em breve. Livre da Justiça, Cunha planeja disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados por São Paulo e, de quebra, eleger a filha, Danielle, pelo Rio de Janeiro. A concretização desse projeto passa por Brasília, onde ele desembarca, em média, a cada quinze dias, e pelo B Hotel, o seu escritório político, onde acontecem algumas das conversas mais importantes e reservadas. Lá, ele tem se reunido com advogados, lideranças evangélicas, parlamentares e ex-aliados que agora estão no governo. Sua prioridade é voltar ao jogo em 2022. E o ambiente é amplamente favorável a ele. A Câmara é presidida por um de seus antigos aliados, Arthur Lira (PP). Já a relação entre Congresso e Planalto é ditada pelo Centrão, grupo que, em sua versão atual, foi planejado, organizado e treinado por Cunha.
“Meu objetivo agora é retomar a trajetória que me foi tirada de forma abrupta e injusta”, disse Eduardo Cunha a VEJA. A proximidade com Lira já abriu as portas para que ele ingresse no PP. “A tendência é essa, mas só vou confirmar depois do Carnaval”, afirma, se dizendo decepcionado com as atuais lideranças de seu partido, o MDB. Na futura campanha, o ex-deputado pretende se apresentar ao eleitorado paulista como o “homem que tirou o PT do poder”, discurso afinado com o do presidente da República, com quem Cunha afirma manter uma relação “orgânica” e uma ligação “sólida”. Ele e Jair Bolsonaro foram contemporâneos no Congresso. Naquele tempo, Cunha era uma celebridade e Bolsonaro apenas um figurante exótico. “A eleição vai ser decidida entre Lula e Bolsonaro. Eu sou anti-PT. Por coerência, não tenho outra alternativa a não ser apoiar o presidente”, afirmou. Cunha, aliás, já transferiu seu domicílio eleitoral do Rio de Janeiro para São Paulo e até alugou um apartamento na capital paulista, onde moram seus outros quatro filhos. Depois de ficar quase cinco anos preso, o ex-deputado afirma estar bem de saúde, apesar de uma crise renal que vai levá-lo a fazer uma cirurgia na próxima semana. Depois disso, retornará imediatamente a Brasília. “A glória da última casa será maior do que a primeira”, diz ele, citando uma passagem bíblica. Não será fácil, mas convém não duvidar. Assim como na Bíblia, existem casos de ressurreição na política.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778