Como o governo atraiu para a sua órbita os parlamentares do centro
Em movimento silencioso e organizado, Bolsonaro se aproximou do Centrão e agora avança sobre o DEM e o MDB — ambos contemplados com cargos importantes
No dia 1º de dezembro, o ministro Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, expressou numa rede social a versão do governo para o resultado das eleições municipais. Apesar da derrota de candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro, o general escreveu, citando o crescimento nas urnas de partidos como o PP, o PL, e o PSD, todos aninhados na máquina controlada pelo Palácio do Planalto: “Os partidos do centro democrático venceram de maneira inquestionável e na sua grande maioria fazem parte da base do governo”. A manifestação pública foi acompanhada de outra mensagem, esta privada, enviada ao deputado Baleia Rossi, presidente do MDB, a legenda que mais conquistou prefeituras. Nela, Ramos dizia que era chegada a hora de uma união de esforços para aprovar pautas prioritárias e ajudar na recuperação econômica do país. “Conto com o apoio do MDB”, afirmou o ministro ao deputado. “Tenho certeza absoluta de que o MDB de Ulysses Guimarães não faltará ao país.”
Aparentemente banais, essas duas mensagens são reveladoras da estratégia de Bolsonaro de tentar, desde já, costurar uma ampla aliança partidária em torno de sua candidatura à reeleição. O presidente prefere reeditar em 2022 a disputa travada em 2018 com a esquerda. Ele quer evitar a construção de uma candidatura alternativa capaz de romper essa polarização. Por isso, empenha palavras, recursos orçamentários e cargos a fim de cortejar partidos que, em tese, podem ajudar na formação de uma coligação eleitoral centrista na próxima sucessão presidencial. Esse esforço se dá em duas frentes. Uma delas, mais avançada, tem como alvo as siglas do Centrão, conhecidas pelo governismo atávico e que hoje estão fechadas com Bolsonaro. A outra frente, mais desafiadora, envolve as conversas com o centro dito independente formado por DEM e MDB, que cogitam apoiar o PSDB em 2022 ou até mesmo lançarem juntos uma candidatura presidencial. Em ambas as frentes, Bolsonaro e seus articuladores esgrimem o mesmo argumento: nas eleições municipais, saíram vitoriosos aqueles que têm cargos federais e capacidade de levar recursos para os municípios. Se essa estratégia funcionou em 2020, não haveria razão para abandoná-la em 2022.
Para consolidar o apoio do Centrão e (vá lá) do centro independente, o governo montou uma estratégia de guerra. No 4º andar do Palácio do Planalto, uma equipe acompanha cada parlamentar e cada partido com informações como o histórico de votações, a taxa de fidelidade às pautas de interesse do presidente e eventos que podem influenciar negativamente a relação entre as partes. As legendas mais leais recebem generosas contrapartidas. O PP já foi contemplado com o comando do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e uma diretoria da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). O PL ficou com a presidência do Banco do Nordeste e secretarias da Saúde e do Ministério do Turismo. O Republicanos abocanhou secretarias do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento Regional. O PSD recebeu as presidências da Funasa e do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). O PROS e o PTB dividem uma indicação no INSS (veja o quadro). O Centrão está em festa. Hoje, a maioria desse grupo tende a selar o apoio à reeleição de Bolsonaro. Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira disse a VEJA que, já na primeira conversa para aderir ao governo, em abril, afirmou ao mandatário: “O senhor já está reeleito”.
Bolsonaro gostou do que ouviu, mas quer ampliar o leque de alianças. O Planalto se prepara para ofertar mais cargos ao MDB e ao DEM, que, apesar de se apresentarem como independentes, têm espaços em estatais e órgãos públicos. O MDB está na diretoria da estatal Chesf, em duas secretarias do Ministério do Desenvolvimento Regional e no comando da Ceasa de Minas Gerais. O DEM conseguiu nomear um diretor da Ceasa de Minas Gerais e o diretor-presidente da Codevasf, que tem um orçamento de 1,6 bilhão de reais destinado, em tese, para fomentar o desenvolvimento das regiões ribeirinhas. O responsável pela indicação foi o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Na época, o Centrão pressionou o governo a barrar a indicação, que foi mantida a pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que também é filiado ao DEM. “É uma questão de reciprocidade. O que o governo nos deu foi um retorno ao que nós demos a ele, que foi votar matérias de interesse o tempo todo”, diz Elmar Nascimento. Em entrevista recente a VEJA, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, afirmou que a maioria do DEM prefere a candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência. Há setores na legenda, no entanto, que trabalham por uma aliança com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e com o ex-ministro Ciro Gomes (PDT).
A meta de Bolsonaro é impedir que esses três possíveis rivais consigam se aliar a essas legendas. Os argumentos do presidente, por enquanto, se resumem a tudo aquilo que a caneta presidencial é capaz de providenciar. A VEJA, uma outra cabeça coroada do DEM não descartou a possibilidade de negociar com Bolsonaro. “Não diria dessa água não beberemos, mas depende de qual será o Bolsonaro de agora em diante.” Bolsonaro será exatamente aquilo que os partidos esperam que ele seja. Essa estratégia está clara desde que o presidente abandonou o discurso de repúdio à negociação e se rendeu ao pragmatismo. A mudança de postura lhe deu uma base no Congresso e, de quebra, ajudou a consolidá-lo na condição de favorito na próxima sucessão presidencial. Enquanto a esquerda está em frangalhos e o centro ainda não conseguiu apresentar um nome para representá-lo, Bolsonaro corre sozinho na raia e tem uma pré-aliança bem encaminhada. Não é pouca vantagem.
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716