No evento de lançamento da pré-candidatura de Jair Bolsonaro, no domingo 20, em Brasília, Valdemar Costa Neto, comandante do PL, aparece como se fosse apenas mais um em meio aos apoiadores que prestigiavam o discurso do presidente da República. A discrição de Valdemar, que usou do microfone basicamente para saudar as autoridades presentes, não reflete o prestígio que o ex-deputado — e ex-presidiário — tem atualmente. Depois de renunciar ao mandato para não ser cassado em 2005 e de ser preso em 2013, em ambos os casos em razão do escândalo do mensalão, Valdemar se transformou num dos políticos mais poderosos do país. Um dos líderes do Centrão, ele indicou apadrinhados para cargos de primeiro e segundo escalões do governo, filiou o presidente e outros campeões de voto ao PL e alçou a sigla à condição de maior bancada da Câmara, com 69 deputados, mais que o dobro dos 33 eleitos em 2018. O futuro parece ainda mais promissor. Em outubro, Valdemar espera eleger setenta deputados, o que faria do PL o mais importante partido do Congresso, com o qual o presidente eleito muito provavelmente terá de negociar — seja ele Bolsonaro, o novo aliado, ou Lula, o aliado de antigamente.
A redenção de Valdemar é resultado de uma combinação de fatores, do empenho às articulações de bastidores às apostas políticas certeiras, passando ainda pelo controle absoluto da engrenagem partidária e por uma dose cavalar de pragmatismo. Mesmo quando esteve na cadeia, condenado a oito anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo do mensalão, Valdemar nunca deixou de dar as cartas no PL e a negociar com o governo de turno. Após sacramentar a indicação do empresário José Alencar para vice de Lula nas chapas vitoriosas de 2002 e 2006, o ex-deputado apoiou Dilma Rousseff na eleição de 2010. Em 2011, viu a presidente promover uma faxina no Ministério dos Transportes e nas estatais associadas à pasta, que eram feudos do PL. Valdemar aceitou em silêncio, já que Dilma gozava de popularidade à época, mas deu o troco em 2014. Naquele ano, mesmo encarcerado no Presídio da Papuda, ele fez chegar ao Palácio do Planalto o recado de que ou o então ministro dos Transportes, César Borges, era demitido ou o PL apoiaria o tucano Aécio Neves na sucessão presidencial.
Como a eleição se anunciava acirrada e a popularidade já não era a mesma, Dilma se rendeu à chantagem, e Valdemar recuperou a sua antiga área de influência no segundo mandato da petista. O episódio da faxina também ilustra como Valdemar muda de posição de acordo com a conveniência. Quando seus aliados foram varridos do ministério em 2011, Valdemar atribuiu a origem das denúncias de corrupção contra integrantes do PL ao servidor Tarcísio Gomes de Freitas, que à época era auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) e, entre janeiro de 2019 e março deste ano, ganhou notoriedade como ministro da Infraestrutura. Até hoje, Valdemar nutre por Tarcísio um desapreço sincero, mas que ele deixou de lado temporariamente em nome de um objetivo maior. Para se filiar ao PL, Bolsonaro exigiu que a legenda apoiasse Tarcísio ao governo paulista. Valdemar aceitou pagar a fatura, abandonou um acerto prévio de apoio ao nome do PSDB em São Paulo e formalizou a parceria com Tarcísio, que, até pelas arestas pessoais, acabou se filiando ao Republicanos, outro expoente do Centrão. Prevaleceu o pragmatismo, o mesmo que favoreceu a aproximação de Valdemar e Bolsonaro.
Nos tempos em que eram deputados federais, os dois nunca foram grandes amigos. Valdemar sempre teve relação mais próxima com petistas ilustres, caso de José Dirceu. Apesar disso, o PL quase compôs a chapa de Bolsonaro em 2018, quando o então senador Magno Malta, integrante da sigla, foi cotado para o posto de vice. Não deu certo. Mesmo na atual administração, a parceria foi de certa forma tardia. O PL pegou carona na negociação realizada entre o comandante do PP, Ciro Nogueira, e o presidente da República para a entrada do Centrão na base de apoio ao governo. A transação prosperou. Hoje, Ciro é ministro-chefe da Casa Civil. Já Valdemar indicou sua colega Flávia Arruda para a Secretaria de Governo e afilhados políticos para cargos estratégicos, como uma diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem orçamento anual de mais de 50 bilhões de reais. Os dois caciques do Centrão estão na coordenação de campanha à reeleição de Bolsonaro. Tamanho é o prestígio de Valdemar que o evento do PL no domingo contou com a participação até do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, aquele que cantou em 2018 “se gritar pega Centrão…”
“Eu não sabia que tinha grupos de extrema direita no Brasil. O Bolsonaro tirou esse pessoal do armário”
Valdemar Costa Neto, em uma reunião no TSE
Integrante do rol de políticos condenados por corrupção que se consideram injustiçados pela imprensa, Valdemar não costuma dar entrevistas nem se posicionar publicamente sobre temas diversos, a não ser quando considera extremamente necessário. Num vídeo recente, pregou contra as privatizações dos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, defendidas pela equipe de Paulo Guedes. Uma conversa a que VEJA teve acesso ajuda a entender um pouco como o cacique do PL analisa a atual conjuntura. “Eu não sabia que havia grupos de extrema direita no Brasil. O Bolsonaro tirou esse pessoal do armário”, declarou. Em outra passagem, ele ecoa os petistas mais realistas e projeta uma campanha muito disputada: “Vamos ter de enfrentar o pessoal do Lula, que tem gente fanática. Vai ser uma eleição radical, a mais difícil da história”. Essas observações foram feitas numa reunião com os ministros do STF Alexandre de Moraes e Edson Fachin, que na ocasião representavam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Vamos ter de enfrentar o pessoal do Lula, que tem gente fanática. Vai ser uma eleição radical, a mais difícil da história”
Valdemar Costa Neto, sobre a disputa presidencial
No encontro, é possível notar um clima bastante amistoso entre os presentes, bem diferente da beligerância predominante na relação entre o presidente da República e os magistrados. Moraes chega a elogiar a atitude de Valdemar de ajudar o tribunal na época em que Bolsonaro defendia a volta do voto impresso. “Valdemar foi um grande parceiro da Justiça Eleitoral. Nesses dez minutos que nós já estamos (na reunião), o PL já deve ter mais uns quatro deputados”, brincou Moraes, relator de inquéritos que investigam Bolsonaro e os familiares dele no STF. No tempo em que esteve preso, o mandachuva do PL apresentou bom comportamento, concluiu o curso de “direito de família” e trabalhou por 36 dias em um restaurante. Conseguiu a redução da pena e, mais tarde, foi beneficiado por um indulto. Em liberdade, seus planos agora são bem mais ambiciosos. O PL filiou Bolsonaro, bons puxadores de votos e até o general Braga Netto, que deve ser o vice na chapa à reeleição. A meta do partido é eleger a maior bancada da Câmara e dobrar a de senadores, hoje com sete integrantes. Independentemente do resultado da sucessão presidencial, a tendência é que o PL saia fortalecido das urnas. A maior vitória de Valdemar, quem diria, parece encaminhada.
Colaborou Rafael Moraes Moura
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783