Deputados bolsonaristas desarquivam PEC que amplia nº de ministros do STF
No projeto, quantidade de cadeiras passaria de onze para quinze e a Corte ficaria encarregada de julgar exclusivamente causas constitucionais
Às vésperas de eleições, certos políticos costumam tirar da cartola projetos mirabolantes para iludir a plateia ou servir como ardil para impulsionar ideias desatinadas — às vezes as duas coisas. A deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) apresentou, em 2013, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que alterava a composição, a competência e a forma de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O número de cadeiras passaria de onze para quinze, a Corte ficaria encarregada de julgar exclusivamente causas constitucionais e os quatro novos ocupantes das vagas seriam nomeados pelo Congresso, a partir de listas tríplices elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Depois de oito anos parado, o projeto foi desarquivado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ). Não foi obra do acaso.
Alterar a composição do STF era um ideia de Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018. O então candidato chegou a dizer certa vez que pensava em ampliar para 21 o número de cadeiras, o que lhe permitiria nomear dez novos ministros apenas nos quatro anos de seu mandato. A promessa estapafúrdia tinha ficado até agora no campo da retórica. Com o resgate do projeto de Luiza Erundina, a pregação do presidente por mudanças na Corte ganhará tração. Além de ampliar o número de vagas, a proposta esvazia as funções do tribunal, que perderia, por exemplo, as atribuições de julgar processos envolvendo políticos. “A mudança visa a aperfeiçoar o funcionamento das instituições que compõem a cúpula do nosso Poder Judiciário”, explicou a parlamentar quando protocolou o projeto. Na época, a presidente era a petista Dilma Rousseff.
Hoje, com Bolsonaro no poder, Erundina suspeita que há algum ardil por trás da iniciativa: “Como é uma proposta minha, parlamentar da oposição, antibolsonarista, certamente vão desvirtuá-la e usá-la para algum propósito antidemocrático como se eu a estivesse corroborando”, adverte Erundina. Presidente da CCJ, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) é crítica ferrenha da atuação do Supremo. Foi ela quem desarquivou o projeto e entregou a relatoria ao deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), também um aliado do Planalto. O parlamentar afirma que, pessoalmente, é contra a ampliação do número de ministros, mas, para não mutilar em demasia o texto original do projeto, pretende propor duas pequenas alterações. A primeira é que os quatro novos ministros seriam necessariamente juízes de carreira. A segunda, nada sutil, é que os ministros seriam indicados pelo presidente da República. Se aprovado, Bolsonaro poderia contabilizar seis ministros nomeados em sua gestão. Eis o pulo do gato.
Nos últimos anos, o STF tem sido um importante pilar de sustentação das instituições brasileiras, do regime democrático e da Constituição. O tribunal reforçou o protagonismo político em defesa de minorias, dos direitos humanos e da saúde pública, especialmente durante a pandemia. Também se envolveu em decisões controversas, particularmente no âmbito do inquérito das fake news, que desagradaram ao governo e reacenderam a discussão sobre os limites não apenas da liberdade de expressão mas também da atuação da própria Corte. Ministros do tribunal ouvidos por VEJA, no entanto, não veem no projeto desarquivado uma ameaça real. “É apenas mais um gesto de provocação. Um governo que não consegue aprovar um indicado para o STF vai conseguir emplacar uma PEC para aumentar vagas que ele mesmo preencheria?”, desdenha um magistrado da Corte, referindo-se às dificuldades enfrentadas pelo advogado André Mendonça para ter a sabatina marcada pelo Senado.
Em 2015, o Congresso ampliou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória dos ministros do STF. O projeto ganhou o apelido de PEC da Bengala e foi aprovado sem maiores turbulências, apesar da certeza de que, por trás da mudança, havia um interesse casuístico. Na época, Dilma Rousseff teria direito de substituir até o final de seu mandato cinco ministros que atingiriam a idade-limite. Se isso acontecesse, a Corte contaria com dez de seus onze membros nomeados pelos governantes petistas. Para a oposição, uma supremacia extremamente perigosa. A mudança foi efetivada, Dilma, como se sabe, logo depois sofreu um processo de impeachment e quatro dos ministros mais antigos acabariam atingindo a idade-limite nos governos seguintes — dois no atual e outros dois no que será empossado em 2023. Portanto, se reeleito e supondo que o projeto da deputada Erundina seja aprovado, Bolsonaro indicaria oito magistrados para uma Corte que passaria a ter quinze membros. Mesmo sem estardalhaço (desta vez, dentro da lei e sem ataques antidemocráticos), os radicais bolsonaristas não desistem de tentar controlar o Supremo.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760