A história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se confunde com as idas e vindas da democracia brasileira. Em 1932, o clamor popular por eleições confiáveis levou à criação da Justiça Eleitoral por decreto de Getúlio Vargas, que também garantiu o voto secreto e o sufrágio feminino. Getúlio assinaria cinco anos depois a autoritária Constituição do Estado Novo, culminando com o fechamento do tribunal, a dissolução dos partidos políticos e a suspensão de eleições diretas. O TSE seria reativado apenas em 1945. Agora, prestes a completar 90 anos de existência, o tribunal se prepara para enfrentar um desafio: garantir a realização de eleições eficientes e seguras, se blindando dos ataques disparados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados — e garantindo que o resultado seja reconhecido, não importa quem saia vencedor nas urnas. Não será uma tarefa fácil assim.
A menos de um ano das próximas eleições, ministros do TSE já admitem reservadamente o temor de que Bolsonaro não aceite uma eventual derrota e insufle extremistas a invadir a sede do tribunal. As últimas pesquisas de intenção de voto apontam que hoje são grandes as chances de o ex-presidente Lula da (PT) liquidar a disputa já no primeiro turno. Bolsonaro ainda não perdeu a guerra, mas sofreu um duro revés quando o Congresso derrubou a sua ofensiva de ressuscitar o voto impresso, uma medida de custo bilionário que tumultuaria o processo eleitoral. O chefe do Executivo elegeu o TSE como o inimigo da vez e chegou a afirmar que “a gente não pode deixar que meia dúzia de funcionários, numa sala escura, conte os votos e decida as eleições”. Recentemente, mudou o tom e disse que o voto eletrônico “vai ser confiável”, mas ninguém sabe até quando vai durar a trégua.
Para evitar eventuais ataques, a Corte vem preparando uma série de vacinas caseiras. No último dia 15, o atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes participaram de uma reunião para tratar dos preparativos do pleito de 2022, sob o mote de “paz e segurança nas eleições”. Naquela ocasião, foi anunciada oficialmente a ida do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo para o cargo de diretor-geral do TSE, conforme revelado por VEJA. O posto é uma espécie de síndico, responsável por tocar licitações e cuidar de questões administrativas e tecnológicas do tribunal, como as próprias urnas. “Vocês devem estar me achando a pessoa mais estranha dessa mesa. E sou mesmo”, admitiu Azevedo na reunião. E completou: “Mas não recuso missão”. O nome, visto como polêmico por integrantes da Corte, foi articulado por Moraes, para garantir estabilidade no período eleitoral turbulento de 2022. Ninguém se opôs à ideia. Antes, o tribunal já havia incorporado as Forças Armadas em uma comissão para fiscalizar todas as etapas do processo eleitoral.
“Sem dúvida será a eleição mais desafiadora para a história do TSE. Nunca o TSE e o sistema de votação e apuração estiveram tão atacados”, apontou o coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Fernando Casagrande Pereira. O tribunal também decidiu unificar o horário de votação em todo o País, que vai seguir em tempo real o de Brasília, independentemente do fuso-horário — antes, os resultados preliminares da disputa pelo Planalto só começavam a ser divulgados após o fim das eleições no Acre, duas horas depois do encerramento dos trabalhos na maior parte do país. “A diferença no horário de encerramento de votação produziu interpretações, teorias conspiratórias e problemas que gostaríamos de evitar para assegurar a tranquilidade do processo eleitoral brasileiro”, justificou Barroso.
Bolsonaro já disse que houve fraude nas eleições de 2014, vencidas por uma pequena margem de votos por Dilma Rousseff. Na época, o tucano Aécio Neves disparou no começo da contagem de votos, mas a vantagem sumiu depois que a apuração avançou na região Nordeste, tradicional reduto petista. Aécio já reconheceu a derrota, mas Bolsonaro insiste, sem qualquer evidência, que houve fraude.
Ao longo de 2022, o TSE será presidido por três ministros: em fevereiro, Barroso passa o bastão para Fachin, que comandará a Corte até agosto, quando Moraes assume os trabalhos. Os três são os maiores críticos de Bolsonaro no Judiciário — Barroso e Moraes, aliás, trabalharam ativamente nos bastidores para enterrar o voto impresso. “O ano que vem será o ano de paz e segurança nas eleições. É fundamental que haja a integridade e o respeito ao processo eleitoral e é o que vai acontecer”, diz Fachin.