Muito embora a política esteja abrigada no campo das humanidades, a miríade de presidenciáveis disposta a se enfrentar em busca da preferência de quem rejeita tanto Jair Bolsonaro quanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esbarra em um problema quase das ciências exatas: há gente demais para ocupar uma faixa que hoje tem menos de um terço do eleitorado. Diante disso, o grande contingente de postulantes da terceira via — dez no total — começa a entrar em um funil para ver quem estará de fato na urna eletrônica em 2022. Nas últimas semanas, quem se mexeu mais nessa corrida foi o ex-ministro Sergio Moro (Podemos), que logo na saída como pré-candidato cravou 10,7% das intenções de voto, segundo o Paraná Pesquisas. Isso o coloca, por ora, como o principal rival de Lula e Bolsonaro, à frente do ex-governador Ciro Gomes (PDT), que está na pista há mais tempo.
Ex-juiz da Lava-Jato, inimigo tanto do petismo quanto do bolsonarismo, Moro segue à risca o roteiro de campanha. Já anunciou o seu “posto Ipiranga” na economia, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. Fez um discurso no Senado defendendo o teto de gastos e a responsabilidade social e atacou a política econômica do governo que integrou até 2020. Também começou a peregrinação por aliados visitando o governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Em meio a tudo isso, deu entrevistas, palpitou sobre temas variados e estocou rivais em eventos e redes sociais. Retirado do pódio da corrida ao Planalto, Ciro, que atacava Lula e Bolsonaro, sentiu o golpe e reposicionou sua artilharia em direção ao ex-juiz.
Enquanto a movimentação de Moro aumentava o sentido de urgência na terceira via, de onde mais se esperava é que não veio nada. O PSDB planejava dar um exemplo de democracia interna no domingo 21 com uma inédita prévia de onde emergiria o candidato de uma sigla que já teve um presidente da República (FHC). Deu tudo errado. Ao clima belicoso que já se verificava na sigla durante a disputa juntou-se o vexame de não conseguir completar a eleição interna por pane no aplicativo que registraria os votos de filiados. Enquanto muita gente do partido buscava achar uma solução para não prolongar o fiasco, tentando encerrar a votação de outra forma — o que até a quinta-feira 25 não havia ocorrido —, as caneladas entre os favoritos, os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), subiram de tom. Assim, não bastasse o sufoco para concluir a votação, o PSDB viu crescer a possibilidade de judicialização da disputa. “Quem for derrotado precisará aceitar o resultado, senão os problemas com o aplicativo se tornarão um problema político”, diz o cientista político Antonio Lavareda.
Com Moro circulando e os tucanos digladiando-se em público, a ordem passou a ser mostrar coesão. Capitaneado pelo ex-ministro Gilberto Kassab, o PSD fez gestos claros nesse sentido em um encontro nacional para marcar os dez anos de fundação da sigla na quarta 24. No evento, em Brasília, aprovou-se uma carta de diretrizes para 2022 cujo primeiro item é o lançamento de um candidato próprio à Presidência. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), discursou como tal durante cerca de 25 minutos.
Em outras siglas, no entanto, o apetite por ter um nome à frente da chapa arrefeceu e há informações desencontradas. Segundo membros da cúpula do União Brasil, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta desistiu da candidatura, o que ele nega. “Nossa preocupação é formar uma bancada forte nas eleições proporcionais”, diz o futuro comandante da sigla, Luciano Bivar. O MDB deve se definir em dezembro, mas a senadora Simone Tebet (MS) enfrenta resistência dos caciques, que também preferem priorizar a eleição de deputados.
No momento em que a terceira via começa a se afunilar, Lula e Bolsonaro navegam com os pés em duas canoas: afagam as bases radicais ao mesmo tempo que fazem alguns gestos à centro-direita. O petista acena a rivais históricos, como o ex-governador Geraldo Alckmin, de saída do PSDB. Já Bolsonaro anuncia pela segunda vez o casamento com o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto, iniciativa que deve consolidar a aliança com o Centrão. “A direita se fragmentou e isso impacta na fragmentação na terceira via”, avalia Paulo Ramirez, cientista político da ESPM.
Na disputa pelo voto, cada um dos candidatos da terceira via também pena para modular um discurso capaz de cativar o eleitorado e se diferenciar de seus adversários mais diretos. O denominador comum do grupo é a defesa da responsabilidade fiscal, o combate à corrupção e a redução da desigualdade social. “É positivo que haja um certo consenso sobre as urgências do país. A grande questão é saber o que vão propor, qual será o caminho”, aponta o cientista político José Álvaro Moisés, da USP.
O risco da divisão do bloco é que ela acabe por deixar todos pelo caminho. “O ideal seria que as elites políticas apresentassem uma única opção, ajudando o eleitor a ver qual é a alternativa clara”, entende Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV). Enquanto os caciques não se entendem, pode sobrar para o eleitor fazer essa depuração. “O candidato que alcançar mais de 10 pontos porcentuais nas pesquisas pode começar a atrair o voto útil”, analisa o cientista político Carlos Pereira, da FGV. Tal definição tende a ocorrer apenas nos primeiros meses de 2022, mas há um risco de os postulantes de terceira via chegarem a esse momento embolados. Na eleição de 2018, quando a polarização entre petismo e bolsonarismo também deu o tom, havia sete candidatos de centro — juntos, conseguiram apenas 23% dos votos válidos. Não dá para dizer que a eleição de 2022 será igual, mas o passado está aí para servir de referência.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766