O anúncio da distribuição de cestas com alimentos pela Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) atraiu uma multidão ao entreposto nesta quinta-feira, 14, com pessoas esperando mais de 12 horas para poder receber a ajuda. Por volta das 23h da noite anterior, já havia gente na fila, sendo que a distribuição está prevista para começar às 14h.
Serão entregues 3.000 cestas com frutas, legumes e verduras — as senhas começaram a ser entregues às 8h. Pela manhã a fila, que começava no portão sete da Ceagesp já chegava até o portão dois, percorrendo grande parte da Avenida Gastão Vidigal, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo.
A iniciativa tem dois componentes políticos. O primeiro é que ela é resultado de uma parceria entre os comerciantes e a nova direção da companhia, chefiada pelo coronel Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota (força de elite da Polícia Miitar de São Paulo), que assumiu em outubro do ano passado após ser escolhido e nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, de quem é um entusiasta.
Em sua gestão, por sugestão do próprio presidente, a Ceagesp passou a dar desconto de 20% para policiais militares. A convite de Araújo, Bolsonaro visitou o entreposto em dezembro passado para inaugurar um equipamento chamado Torre do Relógio e provocou aglomeração de apoiadores em meio à pandemia — Aráujo pediu aos comerciantes que usassem verde e amarelo para receber o presidente. Na ocasião, Bolsonaro descartou privatizar a Ceagesp e a intenção de mudança do local, defendida pelo seu rival, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O outro componente político da ação é que ela é também resultado de um protesto dos comerciantes do entreposto contra a iniciativa de Doria de promover aumento do ICMS a partir de amanhã, sexta-feira, 15, para alguns serviços e produtos, o que, segundo eles, afetaria a produção e a comercialização de alimentos. Na semana passada um protesto foi realizado pelos comerciantes do entreposto.
“Será uma forma de mostrar à sociedade a importância de todas as categorias envolvidas no abastecimento e o quanto a criação e o aumento de impostos sobre os alimentos prejudicarão as famílias que mais precisam”, informou a própria Ceagesp em nota sobre a iniciativa desta quinta-feira.
A distribuição de cestas já vem acontecendo toda quinta-feira há quase três meses, mas normalmente são entregues 2.000 cestas. Segundo a assessoria da Ceagesp, devido à divulgação mais intensa, a procura foi maior nesta semana.
A fila em busca de doação e alimentos na Ceagesp acontece no momento em que boa parte da população deixou de receber o auxílio emergencial, que foi pago entre abril e dezembro do ano passado como forma de atenuar os impactos da pandemia da Covid-19. Nos últimos três meses, o valor mensal já havia sido reduzido de 600 reais para 300 reais. O país tem mais de 14 milhões de pessoas desempregadas.
A primeira da fila é Irani Galvão, de 39 anos, que está desempregada há cerca de um ano. Desde de então, a sua renda e de seus quatro filhos de 11, 13, 17 e 22 anos vem do seu trabalho como catadora de latinhas. Até dezembro, ela era beneficiária do auxílio Emergencial. “Não trabalho. Eu sou do lar. Me mandaram embora, devido à pandemia a empresa mandou todo mundo embora. Moramos eu e meus quatro filhos”. Moradora de Parada do Taipas, bairro da zona norte, ela enfrentou cerca de duas horas de ônibus para chegar à Ceagesp às 21h50min.
Um grupo de pessoas, que está na fila desde ontem à noite, foi ao banheiro após pegar a senha, mas acabaram perdendo o lugar. Eles também questionaram se a quantidade de alimentos seria o suficiente para entregar as 3.000 cestas prometidas. “Todo mundo tá indignado aqui. Está a maior bagunça” afirmou Guilherme Aparecido, de 23 anos.
“Podia ir liberando de pouco em pouco, mas todo mundo vai ter que ficar esperando até as 14h, está tão mal organizado que mandaram os últimos ir para frente. Nós estamos comendo resto de fruta que eles deram lá dentro, porque aqui mesmo ninguém vai dar assistência, nem água você pode tomar. O banheiro não pode usar senão perde a senha, tem que dormir no chão, na calçada”, reclamou Sueli Santos Silva, de 25 anos, que também chegou ontem por volta das 23h na Ceagesp, quando em torno de 100 pessoas já formavam a fila.