Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Explosão de mentiras na eleição amplia debate sobre combate às fake news

Levantamento mostra aumento em 373% das mensagens falsas envolvendo Bolsonaro e Lula no WhatsApp. Fica a dúvida: há como enfrentar esse mal?

Por Ricardo Ferraz, Maiá Menezes Atualizado em 4 jun 2024, 11h30 - Publicado em 28 out 2022, 06h00

Para onde quer que se vire, a constatação é unânime: nunca na história das eleições se inventou e se espalhou tanta informação falsa quanto nestes dias que precederam o segundo turno. Ao longo do mês de outubro, bastava piscar para aparecer, primeiro nas redes sociais e depois em toda parte, inverdades lastreadas em falas fora de contexto, vídeos antigos manipulados para parecer o que não são, fotos adulteradas com a desfaçatez do regime stalinista, manchetes fraudadas de notícias que nunca ocorreram, teorias conspiratórias insanas tratadas como verdades absolutas. Pior: postou, está feito o estrago. Tentar apagar fake news é medida de efeito limitado, porque até ela ser posta em prática a falsidade já foi compartilhada freneticamente por milhares, às vezes milhões de pessoas. Com as campanhas firmemente plantadas na internet, Jair Bolsonaro, principalmente, e Luiz Inácio Lula da Silva, em medida maior do que nunca, enveredaram pelo perigoso — e ilegal — caminho da manipulação dos fatos como se não houvesse amanhã. Fica a dúvida: existe maneira de combater com eficiência a disseminação de fake news?

Confira a apuração do resultado do segundo turno das eleições 2022

Um levantamento da Palver, empresa que monitora cerca de 15 000 grupos dedicados à discussão política no WhatsApp, mostra que as mensagens falsas envolvendo os dois candidatos cresceram 373% nas três semanas seguintes ao 2 de outubro. Mais grave ainda, o nível das denúncias descambou para a baixaria, e a rapidez com que foram produzidas indica que as duas partes se prepararam para a guerra suja. “No primeiro turno, as mensagens questionavam se Bolsonaro era o pai do Pix e se Lula iria reverter a autonomia do Banco Central. Depois, passaram para pedofilia e ocultismo, o que demonstra que as notícias falsas escalaram para o nível da escatologia”, confirma Alexandre Pacheco da Silva, um dos coordenadores do Observatório Desinformação Online, criado pelo curso de direito da FGV.

LINHA FINA - Moraes, do TSE: equilíbrio entre censura e combate a inverdades -
LINHA FINA – Moraes, do TSE: equilíbrio entre censura e combate a inverdades (Dado Galdieri/The New York Times/Fotoarena/.)

Diante da fúria desinformativa, o Tribunal Superior Eleitoral, sob o comando de Alexandre de Moraes, virou um campo de batalha. Cerca de 550 ações envolvendo fake news foram encaminhadas à apreciação do TSE — 200 de Lula e 124 de Bolsonaro. O tribunal ordenou um sem-número de remoções de postagens. Adianta? Em parte. No mínimo, a Justiça mostra serviço e a pecha de mentiroso cola em um e outro, conforme as decisões vão sendo anunciadas. Mas esse tipo de reação ainda está longe de conseguir reverter o lamaçal de mentiras nas redes, nos podcasts, em entrevistas e nos debates.

Continua após a publicidade

Coibir mentiras é certamente dever da Justiça Eleitoral, para impedir que elas contaminem as eleições. Ao apertar o cerco contra as máquinas de fake news, porém, o TSE contraria um dos princípios que o norteiam: o de interferir o mínimo possível no pleito. Uma resolução recente amplia ainda mais os poderes do tribunal, ao autorizar ministros a retirar do ar conteúdos que o plenário já tenha julgado e condenado e que sejam replicados em novos endereços eletrônicos. A medida pode resvalar em censura e como tal foi criticada em certos círculos jurídicos. “Considerando nossa tradição, é mesmo possível que haja censura aos meios tradicionais de comunicação na aplicação da norma”, diz Flávio de Leão Bastos, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie. Equilibrar-se no fio entre combate saudável e cerceamento impróprio é um dos muitos desafios nas tentativas de controlar as fake news.

ENXURRADA - Donald Trump: a disseminação de mentiras nas suas duas campanhas inspirou imitadores em toda parte -
ENXURRADA – Donald Trump: a disseminação de mentiras nas suas duas campanhas inspirou imitadores em toda parte (Scott Olson/Getty Images)

Espalhar mentiras deslavadas não é um fenômeno eleitoral, muito menos brasileiro. Inventar notícias foi um vírus que debilitou o combate à pandemia de Covid-19 em todas as partes do mundo e o mote de maluquices e memes por ocasião do falecimento de Elizabeth II, em setembro (uma foto adulterada mostrava a duquesa Meghan usando camiseta com a frase “A rainha morreu”), por exemplo. Mas as votações são talvez o terreno mais propício para sua propagação. Na que elegeu Donald Trump para a Casa Branca, em 2016, um estudo contabilizou 38 milhões de compartilhamentos e 760 milhões de cliques em informação falsa. Outra pesquisa, dois anos depois, comprovou que mentiras têm 70% mais risco de ser retuitadas do que verdades. Nos Estados Unidos, onde liberdade de expressão é um direito constitucional inabalável — o que, sim, inclui a liberdade de falar mentira —, a única restrição legal existente é à disseminação do chamado “discurso de ódio”.

Em outros países, porém, alguns passos vêm sendo dados. A União Europeia aprovou neste ano uma Lei de Serviços Digitais que exige que as plataformas identifiquem e removam desinformação e as obriga a prever os danos que podem causar com a disseminação maciça de certos conteúdos. “É uma tentativa de chegar ao detalhe dos algoritmos e discutir como eles funcionam. O foco são os direitos humanos”, explica Francisco Brito Cruz, do InternetLab. No Reino Unido, uma divisão do governo dedicada a caçar e eliminar notícias falsas adota um processo de quatro fases: achar, avaliar, criar e mirar. O objetivo é reagir rapidamente, postando nos mesmos canais o desmentido e a informação verdadeira. A luta é inglória: de sete posts rebatidos por semana na época da votação do Brexit — outra campanha movida a fake news —, a equipe, devidamente ampliada, tem de lidar agora com centenas de mensagens falsas semanais.

Continua após a publicidade
REAÇÃO - Campanha pelo Brexit: o volume de mentiras levou o governo a criar uma unidade de combate -
REAÇÃO – Campanha pelo Brexit: o volume de mentiras levou o governo a criar uma unidade de combate (./AFP)

A tática de responder postando os devidos esclarecimentos tem sido usada por governos e empresas com algum sucesso, embora exija confiança nas instituições — artigo raro hoje em dia — e pouco influa em grupos de conversa de WhatsApp, por exemplo. Outra medida em vigor nos Estados Unidos e na Europa é debater e combater a disseminação de mentiras nas escolas, pondo no currículo a “alfabetização em mídias”. Richard Hasen, autor de Discurso Barato: Como a Desinformação Envenena a Política, propõe que a educação básica se estenda aos idosos — “os mais propensos a disseminar falsidades”. Nem sempre funciona.

Na disposição de combater o bom combate, o mais importante é perseverar, costuma recomendar Marcus Beard, um dos fundadores da comissão contra fake news do governo britânico. Sua receita: “Seja sistemático. Selecione suas ferramentas de monitoramento. Decida com rapidez. Não espere que a desinformação apareça”. Bebendo de outras experiências, e criando estratégias próprias, quem sabe algum dia se consiga controlar a praga universal das fake news. Enquanto isso não acontece, resta ao eleitor brasileiro buscar fontes confiáveis para tomar sua decisão no dia 30. Essa é uma verdade incontestável.

Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.