Favorito absoluto em Minas, Zema dribla assédio de Bolsonaro por aliança
Candidato mantém liderança com ajuda dos votos dos bolsonaristas, mas está inclinado, ao menos por ora, a manter distância do presidente
Uma das surpresas da eleição de 2018, quando chegou ao governo de Minas Gerais alavancado em boa parte pela onda bolsonarista que varreu o país, Romeu Zema (Novo) continua tendo muito que comemorar. As últimas pesquisas de intenção de voto confirmam não só a sua liderança folgada na corrida pela reeleição, como a boa avaliação de seu governo e a disposição da ampla maioria dos mineiros em lhe conceder um novo mandato (veja o quadro abaixo). O quadro é tão favorável que o governador está inclinado, ao menos por ora, a manter alguma distância do presidente Jair Bolsonaro (PL), que vinha tentando construir com ele uma aliança — desta vez formal, ao contrário de quatro anos atrás — para a disputa no segundo maior colégio eleitoral do país (10,4% dos eleitores) e um estado estratégico para chegar ao Palácio do Planalto.
Mesmo diante do flerte de Bolsonaro, e depois de manter relações ora mais próximas ora mais longínquas com o presidente ao longo de sua gestão, Zema dá sinais de distanciamento. Na segunda-feira 11, ele acompanhou o lançamento, não por acaso em Belo Horizonte, da chapa puro-sangue do Novo à Presidência da República, formada pelo cientista político Luiz Felipe D’Avila e pelo deputado federal Tiago Mitraud (MG). Embora insignificante eleitoralmente (mal consegue pontuar nas pesquisas), a candidatura de D’Avila serve bem à estratégia de Zema de não dar palanque ao presidente em Minas logo no primeiro turno. Assim, as costuras conduzidas para a coligação do governador não deixam espaço ao PL de Bolsonaro. A postura do governador de apoio ao cientista político soa também como música aos ouvidos do Novo, que não abre mão da candidatura presidencial.
O presidente e Zema até vinham dançando uma valsa de aproximação nos últimos meses, que parecia indicar um óbvio alinhamento eleitoral, sobretudo depois de o principal adversário do governador, o ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD), obter apoio do ex-presidente Lula. No fim de abril, Bolsonaro participou, ao lado do governador, da abertura da ExpoZebu, em Uberaba, onde declarou que Zema “é um exemplo para todos nós do Brasil”. Um mês depois, Bolsonaro compareceu a um evento na Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e levantou o braço do governador diante da plateia. O mais recente encontro entre eles, em Brasília, na semana passada, no entanto, terminou sem acordo. Zema e o Novo não topam um apoio formal a Bolsonaro e a participação do PL na chapa majoritária à reeleição, com a candidatura ao Senado do deputado federal e ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio. “Eu e o presidente temos algo em comum: tenho a missão de combater o PT, que destruiu Minas, e fazendo isso estou colaborando com ele. Esse ‘inimigo’ em comum nos torna quase parceiros”, afirma mineiramente o governador a VEJA.
A estratégia de Zema de “quase parceria” tem um evidente cálculo eleitoral. Um dos motivos é que uma aliança formal com Bolsonaro poderia afastar os eleitores de Lula que cogitam votar no governador — a opção pelo voto “Luzema” (Lula presidente e Zema governador) é estimada em 35%. Minas, aliás, tem amplo histórico de votos mistos, como o “Lulécio” (Lula presidente e Aécio Neves governador) em 2002 e 2006 e o “Dilmasia” (Dilma Rousseff presidente e Antonio Anastasia governador), em 2010. Além disso, pesam na conta de Zema a ampla rejeição a Bolsonaro no estado (61% acham que o presidente não merece ser reeleito) e o fato de dois em cada três eleitores bolsonaristas (66%) já estarem apontando voto no governador. Zema, além do mais, sabe que seus adversários buscarão associar sua imagem à de Bolsonaro, como já vem fazendo Kalil. “O cálculo de Zema, considerando os eleitores de Lula, é o de que, se não estiver tão vinculado a Bolsonaro, pode sozinho ganhar no primeiro turno”, diz o cientista político Malco Camargos, professor da PUC-MG e diretor do Instituto Ver.
A aposta, no entanto, tem um risco: o de que Bolsonaro invista em outro candidato, divida o voto conservador e dificulte a vida do político do Novo. Este nome deve ser o senador Carlos Viana (PL), que Zema queria ver fora da disputa, se coloca como pré-candidato e espera receber os apoios de partidos como Republicanos, União Brasil e PP. Diante da posição de Zema, Bolsonaro saiu do último encontro em Brasília decidido a colocar água no moinho de Viana, com quem viajará a cidades como Juiz de Fora e Montes Claros. “O presidente não pode ser coadjuvante em Minas”, afirma Viana.
Apesar das inúmeras evidências do contrário, há no PL mineiro quem ainda não descarte, no entanto, uma composição com Zema. Um deles é o deputado Lincoln Portela. “Questões mineiras geralmente são resolvidas mineiramente, penso que ainda levará um tempo para sabermos como ficará o quadro”, diz Portela, vice-presidente do PL local. Um motivador pode ser o potencial eleitoral de Kalil. Segundo recente pesquisa Quaest, ele pode usufruir melhor a aliança com Lula: o ex-prefeito marca 42% das intenções de voto ao ser identificado com o petista, o que será explorado na campanha.
Enquanto monitora o desempenho de Kalil e mantém Bolsonaro a uma certa distância, Zema tem outras equações eleitorais a resolver. A mais urgente delas é a definição de sua chapa. O governador ofereceu a vaga de vice ao radialista Eduardo Costa, do Cidadania, legenda que fechou uma federação partidária com o PSDB, cujo principal cacique em Minas é o deputado Aécio Neves. Pelas regras das federações partidárias, o posicionamento das duas siglas deve ser traçado conjuntamente, mas ocorre que o PSDB mantém a candidatura do ex-deputado Marcus Pestana ao governo. Assim, tucanos mineiros ficaram incomodados pelo modo como o governador propôs o acerto, classificado como “estabanado”. “O PSDB tem um legado a ser defendido e projeto para o futuro. ‘Desaparecer’ nessa eleição seria um equívoco”, diz o deputado Paulo Abi-Ackel, presidente do PSDB no estado.
Os tucanos não descartam uma aliança com Zema, contanto que um nome do partido possa ocupar uma das vagas na chapa — o próprio Aécio Neves vem sendo cogitado ao Senado, candidatura vista com ceticismo por aliados do governador. Zema trabalha abertamente para ter um companheiro de chapa de outro partido, mas, caso não desembarace o nó envolvendo PSDB e Cidadania nem surja uma opção de última hora, ele pode ter como vice o ex-secretário-geral de seu governo Mateus Simões, também do Novo. “Tenho sempre levantado que o Novo deve se abrir, deixar de se considerar aquele que quer fazer política mas não quer fazer aliança. Isso é impossível”, afirma o governador.
Superada a fase em que ainda era tratado como uma surpresa e agora favorito à reeleição, Romeu Zema é o dono da bola no estado “fazedor de presidentes”. Desde a redemocratização, todos os que subiram a rampa do Palácio do Planalto, de Fernando Collor a Jair Bolsonaro, venceram entre os mineiros. Conhecido como “síntese do Brasil”, com regiões socioeconomicamente distintas e eleitorados heterogêneos, o estado de Minas também é visto por aliados de Zema como pista para voos maiores, inclusive a Presidência em 2026. Antes disso, porém, o governador precisa manter o passo no seu até aqui bem-sucedido baile eleitoral.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798