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Filhos se articulam para manter influência de Bolsonaro no jogo político

Pela primeira vez, eles têm a missão de tocar a vida com o patriarca sem mandato e sob o risco de perder a hegemonia em seu campo político

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h50 - Publicado em 4 fev 2023, 08h00

Radicado nos Estados Unidos desde que deixou o Brasil, no fim de dezembro, ainda antes do término de seu mandato presidencial, Jair Bolsonaro não dá sinais de que voltará tão cedo ao país. Embora tenha dito a aliados que sua temporada na Flórida terminaria no fim de janeiro, o ex-presidente pediu aos EUA um visto de turista, que, se concedido, permitirá a ele ficar mais seis meses no país — seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), chegou a falar que o pai pode não voltar “nunca”. Enquanto o patriarca político da família segue sem previsão de regresso, Flávio e o irmão deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) voltaram ao trabalho em Brasília na quarta 1º, agora como parlamentares de oposição e com a missão de manter o bolsonarismo como catalisador da direita no cenário político. E não será tão simples. Primeiro porque, embora Jair tenha acabado de receber 58 milhões de votos na corrida pela Presidência, ele perdeu o cargo, é investigado em diversas frentes e pode ficar sem direitos políticos. Segundo, porque os filhos farão o primeiro voo na política com o pai sem ter mandato — ele era eleito seguidamente desde 1988 (veja quadro). E terceiro: há muita gente, inclusive ex-aliados, interessada no espólio eleitoral do bolsonarismo.

Como se fosse uma organização militar, bem ao gosto do clã, cada Bolsonaro tem uma tarefa diferente na missão. Não raro classificado por opositores e aliados como o mais articulado politicamente e o mais maleável no trato entre os três filhos políticos do ex-presidente, Flávio é visto pelo bolsonarismo como uma peça-chave no Senado. A direita avançou em 2022 com a eleição de nomes como os ex-mi­nistros Rogério Marinho (PL-RN), Damares Alves (Republicanos-DF) e Marcos Pontes (PL-SP) e o ex-vice-pre­sidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e pode fazer da Casa um bunker para se organizar e renascer politicamente. O Zero Um articulou ativamente a candidatura de Rogério Marinho contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pela presidência do Senado e, embora derrotado, viu o seu patrocinado conseguir 32 votos, mais de um terço dos senadores, o suficiente para criar muitas dores de cabeça ao governo Lula. Em um PL dividido entre o Centrão raiz e a direita bolsonarista, Flávio é visto como “olhos e ouvidos” de Bolsonaro e contraponto ao presidente do partido, Valdemar Costa Neto — exemplo recente disso foi a reação negativa do senador às declarações de Valdemar de que havia documentos propondo golpe “na casa de todo mundo”. Na volta ao debate político, Flávio mostrou ainda que busca protagonismo no PL ao se colocar à disposição do partido para disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 — em 2016, ele ficou em quarto lugar. Se for para a disputa, será o primeiro teste do clã em uma eleição majoritária desde a derrota de Bolsonaro.

Filho do ex-presidente deu parecer favorável à proposta na CCJ do Senado
ZERO UM – Flávio: articulador do PL no Senado e disposição para eleição em 2024 – (Waldemir Barreto/Ag. Senado)

Na outra Casa do parlamento nacional, aliados esperam de Eduardo Bolsonaro mais protagonismo na oposição do que ele teve durante o governo do pai. O Zero Três será o líder da minoria na Câmara e desde já tem defendido o impeachment de Lula. Na posse para seu terceiro mandato, desfilou pelo plenário ostentando no paletó um adesivo com a inscrição “Fora ladrão”. “Se antes Jair Bolsonaro batalhava praticamente sozinho, hoje a semente plantada lá atrás dá frutos. Vivemos tempos estranhos, mas a quadrilha do PT terá a maior oposição que já se viu”, prometeu. Ele também deverá seguir articulando para aglutinar a militância e se manter como ponte entre o bolsonarismo e a direita internacional — ele é organizador da versão brasileira do fórum conservador CPAC e um interlocutor frequente do trumpismo. Há no PL até quem espere demais de Eduardo. Ele tem sido citado por Valdemar Costa Neto como um potencial presidenciável caso o ex-presidente não seja candidato em 2026. A predileção do cacique por ele é avaliada como um recado a Flávio, em quem Valdemar vê alguma ameaça interna, sobretudo quando se trata de poder sobre o dinheiro do PL. Pelo mesmo motivo, ele vê com bons olhos as candidaturas da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e do governador mineiro Romeu Zema (Novo).

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ZERO DOIS - Carlos: futuro político indefinido e problemas com o STF e o Ministério Público -
ZERO DOIS - Carlos: futuro político indefinido e problemas com o STF e o Ministério Público – (Márcio Alves/Ag. O Globo/.)
ZERO TRÊS - Eduardo: líder da minoria na Câmara, ele promete oposição dura a Lula -
ZERO TRÊS - Eduardo: líder da minoria na Câmara, ele promete oposição dura a Lula – (Andre Borges/EFE)

A maior preocupação do clã, por ora, é com o filho político talvez mais próximo a Bolsonaro. Sem mandato em Brasília, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) segue nos EUA, como o pai. Ele deve continuar sendo o “cabeça” da comunicação do capitão nas redes sociais, mas o recomeço nessa função não poderia ter sido pior. Atribui-se a Carlos a publicação de um vídeo na conta de Bolsonaro no Facebook, nos dias seguintes ao 8 de janeiro, que trazia os dizeres de que Lula “foi escolhido e eleito pelo STF e TSE”. A postagem foi apagada, mas fez com que Bolsonaro passasse a ser investigado no Supremo por incitação ao golpismo. O vereador também é investigado no STF por disseminação de fake news. Se durante o governo do pai já havia temor de que fosse alvo de alguma medida de Alexandre de Mo­raes, a apreensão aumentou com Bolsonaro fora do poder. Interlocutores do ex-presidente dizem que Carlos também tem receios quanto a sua segurança, o que poderia atrasar o retorno ao país. Ele terá de renovar o seu mandato de vereador em 2024, mas nem isso é certo. De quebra, enfrenta uma investigação por rachadinha em seu gabinete que caminha para a fase final. O MP já recebeu todas as informações das quebras de sigilo bancário ordenadas em 2021. O volume envolve quase trinta pessoas, incluindo familiares e assessores, em um período extenso (ele é vereador há mais de vinte anos). A expectativa é que, até abril, o MP decida se denuncia Carlos à Justiça ou não

CORTEJADA - Michelle: a ex-primeira-dama foi estrela de jantar do PL em Brasília -
CORTEJADA - Michelle: a ex-primeira-dama foi estrela de jantar do PL em Brasília – (Natanael Alves/PL/.)

O bolsonarismo é, claro, uma força política bastante relevante, mas o seu futuro tem hoje mais dúvidas do que certezas. Uma delas é se o ex-presidente vai atuar como líder de oposição ou se seus pupilos conseguirão ajudá-lo a manter a hegemonia da direita conservadora. “A depender da habilidade que o governo Lula tiver, pode ser que os filhos de Bolsonaro fiquem muito isolados e não consigam cumprir essa função”, diz o cientista político Rui Tavares Maluf. O risco é grande porque há outros personagens importantes se movimentando no mesmo campo ideológico, como o próprio Zema ou o ex-aliado MBL, que anunciou a criação de um partido de direita distanciado do bolsonarismo. O pior dos mundos para os radicais seria o surgimento de uma direita forte que não precisasse de Bolsonaro. A missão principal dos filhos pode ser, ao fim, manter viva a influência (e o nome) do pai no jogo político. Não é pouca coisa.

Colaborou Reynaldo Turollo Jr.

Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827

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