Flávio Bolsonaro, em entrevista a VEJA: “Muita gente queria a ruptura”
Senador diz que Bolsonaro foi aconselhado a patrocinar medida de força contra o STF diante da descoberta de uma suposta conspirata para derrubar o governo
Sete de setembro de 2021 foi o dia mais tenso dos três anos de governo Bolsonaro. Manifestações de apoio ao presidente da República tinham sido convocadas em todo o país. No Supremo Tribunal Federal, havia a certeza de que a Corte seria atacada por radicais bolsonaristas. A avaliação dos ministros é que, caso isso acontecesse, a Justiça ficaria completamente desmoralizada e as portas para um retrocesso democrático estariam escancaradas. No Palácio do Planalto, havia quem vislumbrasse no confronto a oportunidade para abortar um suposto plano para derrubar o governo — conspirata que envolveria parlamentares e alguns ministros do STF. Naquele dia, Jair Bolsonaro, do alto de um carro de som e cercado por milhares de apoiadores em frente ao Congresso Nacional, ameaçou a Corte: “Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.
Não era apenas um arroubo retórico. Os detalhes dessa sequência de eventos são conhecidos por um grupo restrito de pessoas que compõem o círculo mais íntimo do presidente da República. Uma delas é Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente. Segundo ele, o pai chegou a ser aconselhado a promover uma ruptura institucional. Em entrevista a VEJA, o Zero Um revela que, para além do discurso radical, tentaram convencer o presidente a tomar uma atitude de força em relação ao Supremo. O tom dessa exortação partiu de assessores próximos a Bolsonaro. Quem? O Zero Um jura que não sabe. “Se o presidente fosse fazer o que essas pessoas queriam, teríamos um ditador aqui”, desconversa. O presidente, segundo ele, estava se sentindo acuado e constrangido pelo STF. Também havia sido informado de um plano para tirá-lo do Planalto, cujo mentor seria o ex-presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia.
“Todo mundo estava acreditando que o presidente iria causar uma ruptura institucional. Aliás, era o que muita gente queria, e ele, em sua sabedoria, não o fez pelo bem do Brasil”
Flávio Bolsonaro é considerado o filho do presidente da República mais talhado para a negociação política. Também é um observador privilegiado. Em 7 de setembro, ele acompanhou o pai durante todo o dia. Eleito senador em 2018, tinha a expectativa de liderar a articulação do governo com o Congresso e o Judiciário, mas a investigação do esquema de rachadinha em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, como ele mesmo reconhece, inibiu um pouco seus movimentos. A apuração do caso se tornou uma tormenta para Jair Bolsonaro desde o início do mandato e provocou uma série de idas e vindas na Justiça. Enquanto o processo se desenrolava, Flávio permaneceu operando nos bastidores. Do pai, recebeu e cumpriu a missão de trazer o Centrão para a base aliada e prospectar nomes para o STF. Ele participou da escolha de Kassio Nunes Marques e mais recentemente foi decisivo para destravar a aprovação pelo Senado da indicação de André Mendonça para a Corte.
O maior triunfo pessoal de Flávio ocorreu há duas semanas, quando o STF praticamente sepultou a investigação da rachadinha por defeitos processuais. Integrante do conselho político da campanha de reeleição, uma das novas missões do senador no momento é garimpar um marqueteiro da confiança de Bolsonaro que possa usar a propaganda eleitoral na TV para “vender” o presidente e desconstruir os adversários, do “ex-presidiário” Lula ao “traidor” Sergio Moro. A seguir, os principais trechos da entrevista em que Flávio também fala da campanha, dos adversários e da polêmica aliança com o Centrão do mensaleiro Valdemar Costa Neto.
Qual foi o momento de maior tensão do governo? O Sete de Setembro. Bolsonaro já estava saturado com uma sequência de decisões do Judiciário que a gente entendia que eram absurdas, tomadas para provocar, desgastar. Há ministros ponderados no STF, que têm de fazer os outros entenderem que não dá para alguém se intitular o salvador da Pátria, como se estivesse defendendo o Brasil de um ditador chamado Bolsonaro.
O senhor está se referindo ao ministro Alexandre de Moraes? Prefiro não dar o nome senão vão falar que estou atacando o Supremo de novo. Vou deixar que vistam a carapuça.
“Havia pessoas trabalhando nos bastidores para derrubar o presidente. Sabemos que o deputado Rodrigo Maia (sem partido) tentou atrair ministros do Supremo para um plano que previa criar uma armadilha que levaria ao impeachment do presidente”
Mas por que o Sete de Setembro foi o momento mais tenso? Todo mundo estava acreditando que o presidente iria causar uma ruptura institucional. Aliás, era o que muita gente queria, e ele, em sua sabedoria, não o fez pelo bem do Brasil.
Muita gente? Tinha conselheiro dizendo que o presidente não devia mais ceder, que o Supremo havia ultrapassado o limite, que acabou.
Quem são esses conselheiros? Ele conversa com muita gente. São pessoas com perfil ideológico, com dificuldade de compreender o espaço político que o presidente da República tem de dar para conseguir governar. Se o presidente fosse fazer o que essas pessoas queriam, teríamos um ditador aqui. Mas esse não é o perfil do meu pai.
O senhor disse que o presidente não promoveu a ruptura “pelo bem do Brasil”. Essa hipótese chegou a ser considerada em algum momento? O presidente estava se sentindo acuado e constrangido. Mas não chegou a pensar em fazer alguma coisa. Ele estava vendo que havia uma fritura, uma tentativa de encurralá-lo por parte de algumas pessoas. Aquele discurso em frente ao Congresso foi reativo. Havia uma conspiração em andamento para derrubar o governo.
Conspiração? Havia pessoas trabalhando nos bastidores para derrubar o presidente, como o deputado Rodrigo Maia (sem partido). Sabemos que ele tentou atrair ministros do Supremo para um plano que previa criar uma armadilha que levaria ao impeachment do presidente. Ele falou com alguns ministros do Supremo, e um deles me contou. Obviamente não posso falar nomes senão me complica, não vou ter como provar e vou expor o ministro.
“Moro, além de traidor, é mentiroso. Em relação à Polícia Federal, o que ela poderia interferir para me proteger? Nada. Se ele mostrasse quem era desde o início, se tivesse caráter, sequer aceitaria entrar no governo. Tenho grande desprezo por ele”
Tem como pacificar a relação com o Supremo? Da nossa parte a porta sempre esteve aberta para o diálogo. Não acho que haja uma relação institucional desgastada. As coisas melhoraram trazendo o presidente para perto dos onze ministros. A relação institucional, sob meu ponto de vista, está pacificada. Não há nenhuma possibilidade de meu pai fazer algo fora da Constituição.
Por que o governo é tão mal avaliado? Essas pesquisas são totalmente furadas. São feitas pelos mesmos institutos que em 2018 diziam que Bolsonaro perdia para todo mundo, e ele se elegeu presidente. Hoje é o mesmo cenário: Bolsonaro continua indo para a rua e sendo bem-recebido — ao contrário de seus adversários, que nem ao menos saem às ruas por medo de como vai ser o julgamento popular. Temos pesquisas internas que mostram que o ex-presidiário Lula não atinge nem sequer 30% das intenções de voto no Nordeste. A reeleição só depende da gente. A única preocupação que temos é com um novo atentado. Em 2018, Bolsonaro não se elegeu por causa da facada, ele tomou a facada porque já estava eleito.
Qual o impacto do desemprego e da inflação na eleição? Esse é o retrato atual e o Brasil está sendo impactado como o mundo todo. As pessoas precisam compreender que é um problema mundial. A tendência é que isso melhore significativamente. Temos quase 1 trilhão de reais de contratos assinados em várias áreas com investimentos privados no Brasil. É impossível que o país não aumente a geração de empregos.
Em que medida a candidatura do ex-juiz Sergio Moro preocupa o presidente? A imagem de Sergio Moro hoje perante a população é de um traidor, que saiu atirando em quem lhe deu a oportunidade e confiou nele. Descobrimos que ele não tinha uma identidade ideológica com o nosso governo. Ao contrário. Ele entendia que o governo estava equivocado e causava em questões como o armamento. Ele trabalhou diretamente contra isso, boicotou. Tentou trazer para o governo pessoas que defendem o aborto e a legalização de drogas, pautas sagradas para nós. É uma pessoa antipática, inconfiável, que não tem palavra, não tem lado.
“Valdemar foi condenado por uma situação que lá atrás era corriqueira na política. Ele pagou por isso e hoje está quite com a Justiça. Não deve nada, não tem processos contra ele. É diferente do ex-presidiário Lula”
Em livro publicado recentemente, Moro diz que o presidente usou o governo para proteger o senhor. Além de traidor, é mentiroso. Em relação à Polícia Federal, o que ele poderia interferir para me proteger? Nada. Moro cria narrativas mentirosas. Se ele mostrasse quem era desde o início, se tivesse caráter, sequer aceitaria entrar para o governo. As pessoas que não têm caráter têm esse perfil dissimulado. Hoje tenho grande desprezo por ele. Ele faz qualquer coisa para atingir seu objetivo de poder.
O senhor se referiu ao ex-presidente Lula como ex-presidiário. O presidente do PL, partido ao qual o senhor e o presidente se filiaram, também é um ex-presidiário. Isso não é, no mínimo, contraditório? Valdemar foi condenado por uma situação que lá atrás era corriqueira na política. Ele pagou por isso e hoje está quite com a Justiça. Não deve nada, não tem processos contra ele. É diferente do ex-presidiário Lula, que não pagou pelos seus crimes, tinha ingerência direta nas roubalheiras em seu governo. Só na Petrobras os delatores devolveram 1 bilhão de reais em dinheiro roubado, em corrupção. Imagina o que não fizeram em outras estatais.
Em 2018, o presidente fez campanha contra a velha política, hoje compõe com o Centrão. O que mudou? Mudou tudo porque todo mundo entendeu qual foi a linha que o presidente traçou no chão e até onde era possível ir. No governo do PT, a expressão Centrão foi forjada de forma pejorativa porque a negociação era um “toma lá dá cá”, mesmo, com mala de dinheiro, corrupção. A relação hoje é republicana. No início, havia pessoas tentando influenciar o presidente com uma visão equivocada de criminalizar a política. O presidente é da política, eu sou da política.
“Temos pesquisas internas que mostram que o ex-presidiário Lula não atinge nem sequer 30% das intenções de voto no Nordeste. A reeleição só depende da gente”
Dizem que, no fundo, essa mudança de postura do presidente tem a ver com o seu envolvimento no caso das rachadinhas. Isso é um sofrimento que carrego há três anos. Desde o início venho denunciando a perseguição política. Isso foi explicitado nos votos dos ministros, reconhecendo que eu era investigado sem que houvesse um processo formal de investigação. Passei três anos sendo investigado e não acharam nada contra mim, ninguém dizendo que me deu dinheiro, não tem depoimento, escuta telefônica ou depósito na minha conta. Meu patrimônio é compatível com o que eu construí com trabalho desde muito cedo. Não se provou nada contra mim nesse processo, e a Justiça reconhece que fui alvo da chamada “fishing expedition”, a pescaria. Não tem nada contra a pessoa, jogam uma rede para ver o que vem. Foi o que aconteceu comigo, e a legislação brasileira não permite. Foi uma grande vitória pessoal, sim. E eleitoralmente, porque bota uma pedra sobre as acusações.
Quando estourou o caso, o senhor disse que ouviu de Queiroz uma explicação razoável. Qual foi? A explicação foi a que ele botou no papel, no procedimento de investigação. Que obviamente ele teria feito aquilo sem eu saber, que usava isso para contratar mais pessoas. Achei razoável porque não é aquela acusação de roubar dinheiro de algum lugar para botar no próprio bolso. Inclusive tem um entendimento de grande parte da jurisprudência de que a partir do momento em que o dinheiro entra na conta de um assessor, o dinheiro é privado, não é dinheiro público. Mas o próprio depoimento do Queiroz me inocenta. O objetivo não era eu, era atingir o presidente Bolsonaro na sua bandeira que é mais importante, de combate à corrupção. O governo continua sem corrupção.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769
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