Ex-juiz federal, ex-governador do Maranhão e senador eleito, o novo titular do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, tomou posse na segunda-feira 2, mas já se portava como ministro. “Este é um governo que começou de um modo tão atípico que, na prática, eu já sou ministro há quase um mês”, disse a VEJA dois dias depois, em seu gabinete, onde a movimentação de servidores e parlamentares em busca de uma audiência era intensa. A entrada em campo antes do início do jogo se deu muito em razão da omissão do governo Jair Bolsonaro em dois episódios que tumultuaram o período de transição: o quebra-quebra promovido por bolsonaristas na noite de 12 de dezembro e a tentativa de atentado a bomba na véspera do Natal, ambos em Brasília. Coube a Dino se reunir com o governo do Distrito Federal para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, que subiu a rampa do Planalto sem incidentes. O empenho rendeu ao ministro um protagonismo ímpar logo na largada do novo governo.
Dino já chegou ao cargo empoderado. Trazia com ele o apoio de nomes de peso da alta advocacia criminal, ligada no passado ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto em 2014, que era nome de confiança de Lula. Não à toa, Dino escolheu para secretário nacional de Justiça o advogado Augusto de Arruda Botelho, que trabalhou com Thomaz Bastos e defendeu figuras importantes na Lava-Jato. Os apoios reunidos, somados a sua habilidade política, renderam-lhe inclusive simpatizantes no STF, que endossaram a sua indicação. Ainda na transição, Dino garantiu a sua primeira grande vitória política: conseguiu evitar que a Segurança Pública virasse um ministério autônomo, como Lula havia prometido na campanha, e manteve as polícias e as ações federais sob o seu comando.
Agora, ele terá sob sua responsabilidade uma difícil missão: tomar uma bandeira que alavancou o crescimento eleitoral da direita nos últimos anos — não só elegendo Bolsonaro, como uma bancada expressiva de deputados cujo principal discurso é o combate ao crime, quase sempre por meio de iniciativas que propõem o endurecimento das leis e um maior poder de atuação para as polícias. “A pauta sempre esteve associada à direita, com bordões como ‘bandido bom é bandido morto’ ou ‘quanto mais armas, mais segurança’ ”, afirma Arthur Trindade, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O nó a ser desatado é como implantar uma gestão que contemple o combate direto ao crime com políticas de desenvolvimento social e respeito aos direitos humanos — dois princípios caros à esquerda. Pragmático, Dino afirma que o único jeito de o campo progressista se apropriar do tema é mostrando resultados. “Precisamos colocar os crimes patrimoniais (roubos) na mesma trajetória de queda dos homicídios. Esse é um resultado que, se alcançado, legitimará nossa visão de como fazer as coisas”, afirma.
Um exemplo da tentativa de equilibrar as coisas pode se dar no sistema carcerário. O ministério vai tentar melhorar as condições dos presídios do país — que, conforme o STF já reconheceu em decisão plenária, vivem um “estado de coisas inconstitucional” com violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Para chefiar a Secretaria Nacional de Políticas Penais, que tratará do tema, Dino trouxe Rafael Velasco, que foi seu auxiliar no Maranhão. A ideia é replicar o modelo que, na avaliação do ministério, deu certo no presídio de Pedrinhas (MA) — que chocou o país em 2014, quando um vídeo flagrou cenas bárbaras de presos sendo decapitados. Hoje, os internos estudam e trabalham, produzindo uniformes escolares para as escolas estaduais e blocos de cimento para a construção de vias públicas, e os registros de violência cessaram.
Ao mesmo tempo que acena para questões exploradas pela direita, como o fortalecimento das polícias, com a melhoria das condições de trabalho, o governo deixa claro que pensa diferente em alguns temas. Lula já revogou normas de Bolsonaro que flexibilizavam a posse e o porte de armas por civis. Dino mandou seu recado ao dizer que não aceitará atos antidemocráticos, como o já célebre acampamento em Brasília, que ele chamou de “incubadora de terroristas”. “Quero ser o ministro que lutou pela autoridade da lei com firmeza e senso de ponderação”, diz. Outro ponto importante será a criação de um protocolo para abordagens policiais — motivação frequente de desrespeito aos direitos humanos — e incentivos ao uso de câmeras em fardas policiais.
Com uma área sensível sob seu comando, com muitas pautas de grande repercussão pública — como o assassinato de Marielle Franco, em 2018, que prometeu solucionar —, Dino já vê crescer as especulações sobre ser o candidato à sucessão de Lula em 2026, uma vez que o presidente descarta disputar a reeleição. Ele jura não pensar nisso, porque considera impossível saber como o Brasil estará daqui a quatro anos. Mas não rejeita a possibilidade. “Mas isso não depende de vontade pessoal, e sim do concurso de muitas vontades”, afirma o ministro mais ativo do momento na Esplanada.
Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823