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FNDE vira alvo da cobiça de aliados do governo via orçamento secreto

Fundo federal para investimentos na educação tem sido norteado por articulações políticas no lugar do filtro técnico

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 12h35 - Publicado em 19 dez 2021, 08h00
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  • Na Esplanada dos Ministérios, uma vistosa autarquia desperta especial cobiça dos políticos por sua envergadura financeira: o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, conhecido pela sigla FNDE, com seus 54 bilhões de reais só em 2021. Desde junho do ano passado, quem detém a chave do polpudo cofre é o PP do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que durante as costuras para levar o Centrão ao coração do poder abocanhou esse feudo. Ele instalou então na presidência seu antigo chefe de gabinete, Marcelo Lopes da Ponte. De quebra, ofereceu uma diretoria ao PL e outra ao Republicanos. O que vem se observando de lá para cá é uma mudança de critérios para o reparte do bolo, direcionado a itens como merenda, transporte escolar e material didático. Segundo quem conhece as minúcias do trâmite de liberação de verbas, ele nunca foi tão norteado por articulações políticas no lugar do filtro técnico. E a forma de generosamente beneficiar aliados tem sido por meio de emendas parlamentares via orçamento secreto, tudo envolto no anonimato.

    Ao longo de três semanas, VEJA se debruçou sobre as 7 000 emendas do relator que encontrou com o carimbo do Plano de Ações Articuladas (PAR), um naco do fundo livre das amarras de repasses automáticos e obrigatórios. Em 2020 e 2021, os anos analisados, os empenhos cuja autoria não pode ser identificada somam 2,3 bilhões de reais. Tal recurso depende apenas da canetada do Executivo para ser liberado, o que fere uma resolução do próprio FNDE: ela define que a distribuição do dinheiro obedeça a fatores objetivos, como o Índice de Educação Básica e a situação socioeconômica de cada local. Nada disso transcorre no atual cenário. “O PAR virou peça de ficção”, diz um secretário de Educação que tentou obter verbas previamente aprovadas para sua cidade, sem sucesso. Consultados por VEJA, gestores municipais que bateram à porta do FNDE, também atrás de cifras prometidas e já empenhadas, relatam que ouviram uma mesma frase da chefe de gabinete da presidência, Juliana Coelho: “Não será liberado nada que não passe por indicação política”, ela informou, sem cerimônia.

    PREFERÊNCIA - Marcelo Lopes da Ponte, o presidente da instituição: tratamento preferencial para aliados -
    PREFERÊNCIA - Marcelo Lopes da Ponte, o presidente da instituição: tratamento preferencial para aliados – (Marcello Casal jr/Agência Brasil)

    Desde janeiro deste ano, Marcelo Lopes da Ponte se reuniu 326 vezes com deputados federais e senadores. Em apenas quatro dessas ocasiões sentou-se à mesa com representantes da oposição. É natural, evidentemente, conversar com pessoas que dividem as mesmas ideias e intenções, e não há nada de errado nessa postura. Mas há um porém: os quatro opositores ouvidos têm apoiado o governo em votações relevantes. Políticos do PP foram brindados com 127 encontros. O resultado é que a verba educacional, que não deveria ver cor política, deixou de circular como deveria.

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    Examinados mais de 5 000 municípios e suas demandas junto ao cofre do FNDE, o que desponta como campeão absoluto das emendas secretas é Gurupi, no Tocantins. Com cerca de 90 000 moradores e administrado por Josi Nunes, do PSL, aparece com um quinhão de 10,2 milhões de reais para a construção de duas escolas, uma quadra poliesportiva e a compra de um ônibus escolar. As verbas que irrigaram o caixa de lá correspondem a mais de vinte vezes o que as demais cidades do Estado amealharam. A reportagem procurou esclarecer com a prefeitura como ela conseguiu tamanha bolada — sem resposta.

    Criado em 2007, justamente para permitir que municípios com menos de 20 000 habitantes (75% do total) pudessem acessar o cofre federal sem se perder nos labirintos da burocracia em Brasília, o PAR sempre funcionou na base da apresentação de projetos técnicos ancorados em diagnósticos educacionais aprovados pelo Congresso ou pelo Ministério da Educação. O advento do orçamento secreto, em 2019, contribuiu de forma decisiva para desvirtuar a lógica, escancarando as brechas por onde se costuma praticar o toma lá dá cá.

    CONTROLE - Ciro Nogueira, da Casa Civil: seu partido, o PP, tem a chave do cofre -
    CONTROLE - Ciro Nogueira, da Casa Civil: seu partido, o PP, tem a chave do cofre – (Evaristo Sa/AFP)

    Um dos mais atraentes programas do fundo é o Caminho da Escola, destinado à aquisição de veículos para o transporte de alunos, algo que rende alta visibilidade. O levantamento feito por VEJA mostra que 569 municípios pleitearam esse recurso por meio de emendas do relator em 2020, em plena pandemia, com as escolas fechadas. Não é de hoje que a má aplicação de verbas do FNDE chama atenção. Em 2019, um edital para a compra de 1,3 milhão de laptops para as redes públicas, no valor de 3 bilhões de reais, previa a fantástica distribuição de 30 000 unidades a uma escola com 250 estudantes — o que daria 120 computadores para cada um.

    De uns tempos para cá, a debandada de técnicos qualificados da autarquia, mal que acomete toda a educação federal, ajuda a explicar lambanças como o recente erro de cálculo que subtraiu verbas de uns estados e adicionou a outros, deixando muitas escolas na penúria. “Quem paga a conta da má gestão e das ingerências políticas são os alunos, que precisam lidar com estruturas precárias, falta de vagas e um ensino sofrível”, alerta Luiz Miguel Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Questionado pela reportagem, o FNDE não se manifestou. A combalida educação brasileira merece mais transparência.

    Com reportagem de Matheus Deccache

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    Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769

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