A Polícia Federal deflagrou na manhã desta sexta-feira a operação “Cui Bono?”, expressão em latim que significa “a quem interessa?”, que deixou o Planalto de cabelo em pé. Na mira dos investigadores, está o ex-ministro Geddel Vieira Lima, responsável, até pouco tempo atrás, por fazer a articulação política entre o governo de Michel Temer e o Congresso. O peemedebista baiano é suspeito de ter participado de uma quadrilha que arrecadava propinas na Caixa Econômica Federal entre 2011 e 2013, período em que ocupou o cargo de vice-presidente de pessoa jurídica do banco estatal. Também são apontados como integrantes do esquema criminoso: o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o doleiro Lúcio Funaro, ambos presos na Operação Lava Jato, e o vice-presidente da instituição financeira pública Fábio Cleto, além de empresários interessados em receber recursos do banco estatal.
“Os elementos de prova colhidos até o presente momento apontam para a existência de uma organização criminosa integrada por empresários brasileiros e agentes públicos que, ocupando altos cargos na Caixa Econômica Federal e no Parlamento brasileiro, desviavam de forma reiterada recursos públicos a fim de beneficiarem a si mesmos, por meio do recebimento de vantagens ilícitas, e a empresas e empresários brasileiros, por meio da liberação de créditos e/ou investimentos autorizados pela Caixa Econômica Federal em favor desses particulares”, escreveu o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, em sua representação.
Segundo o Ministério Público, Geddel, enquanto ocupava o cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa entre 2011 e 2013, agia internamente “de forma orquestrada” para beneficiar empresas como a BR Vias, a Oeste-Sul Empreendimentos Imobiliários, a Marfrig e companhias do grupo JBS, entre outras. Depois de defender os pleitos de cada companhia, Geddel repassava informações confidenciais para os demais integrantes da quadrilha, como Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para que pudessem achacar empresas que pleiteavam recursos do banco estatal.
A principal prova da atuação da quadrilha está em mensagens enviadas do celular de Cunha para Geddel. As trocas de informações entre os dois aliados peemedebistas reforçam os indícios de que recolhiam propinas das empresas que buscavam liberação de créditos ou investimentos junto à Caixa e ao FI-FGTS, fundo com recursos dos trabalhadores administrados pelo banco estatal. As propinas eram pagas tanto em contas na Suíça como em dinheiro vivo e para empresas do operador Lúcio Funaro.
Ao discutirem o caso Marfrig, em julho de 2012, Geddel reporta ao ex-deputado que o “voto sai hj”, em referência à liberação dos recursos que beneficiariam a empresa. Um mês depois, a Marfrig, quando estava com a corda no pescoço e prestes a se desfazer de alguns negócios para quitar a sua dívida, fechou um empréstimo de 350 milhões de reais com Caixa. “As empresas Marfrig e Seara se beneficiaram do esquema ilícito para a obtenção de recursos da caixa mediante contraprestação, sendo que dessa vez, ficou ainda evidente que os repasses foram realizados por meio das empresas do operador Lucio Bolonha Funaro”, diz o MPF.
No farto material em poder dos investigadores, Geddel Vieira Lima relata, também por mensagem, a Eduardo Cunha pendências do grupo J&F Investimentos com o FI-FGTS e avisa: “Fala p regularizar la”. No caso do Grupo Bertin, cujos dirigentes também caíram na rede de investigações do petrolão, a Polícia Federal mapeou uma mensagem de setembro de 2012 na qual Cunha intercede junto a Geddel em favor do grupo e cobra: “Precisa ver no assunto da bertin a carta de conforto com os termos que necessita”.
“A narrativa exposta demonstra que Geddel Quadros Vieira Lima, juntamente com Eduardo Consentino da Cunha, Lúcio Bolonha Funaro e ainda contando em alguns momentos com a participação de Fabio Ferreira Cleto, agiram de forma ilícita para a liberação de créditos da área da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, a qual era dirigida por Geddel Quadros Vieira Lima”, aponta o MP.
Ao longo das investigações da Operação Lava Jato, Ministério Público e Polícia Federal já haviam recolhido indicativos da atuação criminosa de Eduardo Cunha junto ao fundo de investimento do FGTS (FI-FGTS). Em delação premiada, Fábio Cleto, por sua vez, detalhara que o esquema de Cunha no FI-FGTS também era replicado na Caixa Econômica, tanto na vice-presidência de Fundos de Governo e Loterias, presidida pelo próprio Cleto, quanto na vice-presidência de pessoa jurídica, sob responsabilidade de Geddel. Ele próprio disse que o peemedebista embolsava 80% das propinas recolhidas no esquema de corrupção no banco público. Na Caixa, a atuação de Eduardo Cunha era, segundo o MP, como intermediador na liberação de empréstimos a empresas que estivessem dispostas a realizar negociações ilícitas. A “Cui Bono?”, deflagrada nesta sexta-feira, é um desdobramento da Operação Catilinárias, de dezembro de 2015, na qual foi encontrado um celular na casa de Eduardo Cunha que registrava, entre outros, trocas de mensagens entre o ex-deputado e Geddel.
Em nota, a Marfrig afirmou que “não foi alvo de qualquer medida da Polícia Federal, que a Caixa Econômica Federal ou qualquer um de seus fundos não são acionistas relevantes da companhia”. “As operações com tal instituição financeira sempre foram feitas em condições de mercado, com custos equivalentes aos dos bancos privados, com garantias reais e sem qualquer tipo de privilégio. Todas as operações contratadas durante o período apurado nas investigações (2011-2013) foram devidamente liquidadas no prazo e condições, não restando em relação a estas quaisquer débitos em aberto”, disse.