O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aproveitou a sessão desta terça-feira da Segunda Turma da Corte e disse, no colegiado, que o ministro Luiz Edson Fachin foi “ludibriado” ao homologar o acordo de delação premiada dos executivos da JBS. Ao se dirigir diretamente ao magistrado, Gilmar afirmou que Fachin corre o risco de ficar com o nome manchado por conta das suspeitas que envolvem a conduta do ex-procurador da República Marcelo Miller na formulação do acordo.
“Nesse caso, imagino seu drama pessoal”, afirmou Mendes a Fachin. “Ter sido ludibriado por Miller et caterva [expressão em latim que significa “e seus comparsas”] deve impor um constrangimento pessoal muito grande.”
“Eu não invejo os seus dramas pessoais, porque certamente poucas pessoas ao longo da história do STF se viram confrontadas com desafios tão imensos, grandiosos. E tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcados por decisões que depois vão se revelar equivocadas”, disse Gilmar.
Para Gilmar, o escândalo dos áudios de Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e do diretor de relações institucionais da JBS, Ricardo Saud, levou o STF para um quadro vexaminoso. “Estamos vivenciando um grande vexame institucional. O maior que eu já vi na história do tribunal.”
Gilmar citou em seu discurso o ministro Teori Zavascki, morto num acidente aéreo em janeiro deste ano. Fachin herdou de Zavascki a relatoria da Operação Lava Jato no STF após a tragédia. “Certamente, no lugar onde está, o ministro Teori está rezando por nós e dizendo: ‘Deus me poupou desse vexame’.”
O ministro disse que as suspeitas contra Miller colocam o STF “numa situação delicadíssima”. “Os casos que agora estão sobre a mesa são altamente constrangedores. O que está saindo na imprensa e o que sairá nos próximos dias, meses, certamente vão corar frade de pedra. Já se fala abertamente que a delação de Delcídio [do Amaral, ex-senador] foi escrita por Marcello Miller. É um agente que atuava. Agora já se sabe que ele atuou na Procuradoria da República. Sabe-se lá o que ele fez aqui também.”
Nesse caso, imagino seu drama pessoal [de Fachin]. Ter sido ludibriado por Miller et caterva [e seus comparsas] deve impor um constrangimento pessoal muito grande. (…) Estamos vivenciando um grande vexame institucional. O maior que eu já vi na história do tribunal
Gilmar Mendes, ministro do STF
Gilmar também fez novas críticas à atuação de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). “Ver o estado de putrefação, de degradação, dessa instituição me constrange”, disse.
Em resposta, Fachin disse que agradecia a preocupação externada pelo ministro, mas que mantinha o posicionamento adotado até então. “Ao meu ver, julgar de acordo com a prova dos autos não deve constranger a ninguém, muito menos um ministro da Suprema Corte. Também agradeço a preocupação de Vossa Excelência e digo que a minha alma está em paz.”
Ao meu ver, julgar de acordo com a prova dos autos não deve constranger a ninguém, muito menos um ministro da Suprema Corte. Também agradeço a preocupação de Vossa Excelência e digo que a minha alma está em paz
Luiz Edson Fachin, ministro do STF
A sessão
Gilmar se pronunciou sobre o escândalo da JBS após o ministro Ricardo Lewandowski pedir vistas no julgamento que tratava do recebimento de uma denúncia apresentada contra o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE). O placar da votação está em 1 a 1, com o relator Fachin a favor e o ministro Dias Toffoli contra o recebimento da acusação, que foi apresentada pela PGR, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O deputado supostamente recebeu 300 mil reais da UTC Engenharia em 2010, a fim de beneficiar a empreiteira em obras no esquema de corrupção da Petrobras. Valores que, segundo a denúncia, seriam propina, apesar de terem sido repassados como doação oficial. O ex-executivo da estatal Djalma Rodrigues de Souza também está denunciado no caso.
Fachin considerou que a delação de Ricardo Pessoa, proprietário da UTC Engenharia, e os documentos apresentados trazem condições para abertura da ação penal. Toffoli divergiu do relator e fez menção ao escândalo da JBS durante o seu voto. “Vamos chancelar a palavra de colaborador? Estamos assistindo o que está acontecendo aí”, disse.
Em outro momento, quando Toffoli afirmou que os documentos que provariam os pagamentos foram produzidos pelo próprio delator, o ministro Gilmar Mendes fez uma intervenção provocativa sobre a forma como teriam sido produzidos. “Teria sido com o auxílio do Miller?”, indagou.
Ao pedir vista, Lewandowski citou a complexidade dos votos dos dois ministros para justificar a necessidade de ter mais tempo para analisar o caso.
(Com Estadão Conteúdo)