Um decreto do governo de Jair Bolsonaro (PSL) afrouxou o controle de classificação de documentos ultrassecretos e secretos da administração pública federal. Antes, o que era uma prerrogativa exclusiva da alta cúpula governamental agora pode ser delegada a ocupantes de cargos em comissão e assessoramento.
Na prática, a mudança coloca em risco a eficácia da Lei de Acesso à Informação (LAI), que garante a transparência de todas as informações em poder do Estado. O Decreto 9.690/2019 foi assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), no exercício da Presidência durante de Bolsonaro a Davos (Suíça), e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM).
A nova norma, que regulamenta a LAI, permite que os documentos ultrassecretos, que ficam fora do conhecimento público por 25 anos a partir de sua produção, possam ser assim classificados por funcionários comissionados ou dirigentes de autarquias, fundações ou empresas públicas mediante delegação de seus superiores hierárquicos.
Segundo a regulamentação que estava em vigor desde 2012, somente poderiam classificar um documento de ultrassecreto o presidente da República e vice, ministros de estados, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões permanentes no exterior. A classificação de documentos secretos, que ficam restritos por 15 anos, também poderá ser delegada a servidores subalternos. Esta transferência de poder era expressamente proibida.
Poderão receber a delegação para classificar um documento como “ultrassecreto” os ocupantes de cargos em comissão do grupo DAS 101.6, escolhidos pelo critério da confiança, sem necessariamente ter vínculo com o serviço público, e que têm remuneração de 16,9 mil reais. De acordo com os dados mais atualizados do Ministério do Planejamento, a administração federal contava com 206 funcionários nestes cargos em dezembro do ano passado.
Já a classificação de “secreto” poderá ser exercida por servidores do grupo DAS 101.5, igualmente escolhidos pelo critério de confiança, mas com remuneração menor (13,6 mil reais). Até o último mês de dezembro, o governo contabilizava 1.082 funcionários públicos ativos.
O consultor-sênior da Transparência Internacional, Fabiano Angélico, explica que a classificação da informação é o “coração da lei” porque é o que separa o que deve ser público e o que deve ser sigiloso. Pelas regras da LAI, toda informação deve estar disponível aos cidadãos e qualquer restrição deve ser tratada como medida excepcional.
“A classificação é algo muito estratégico e crucial na implementação da lei. Colocar essa atribuição a funcionários de escalão inferior é muito ruim porque dá um poder desmedido a funcionários menos graduados, que, muitas vezes, não têm o preparo ou equipe técnica para esta avaliação, e não precisam prestar contas publicamente por uma decisão mais controversa”, explica.
A iniciativa surpreendeu Fabiano Angélico. “O governo fala em transparência e moralização desde a campanha eleitoral. Seria bom reconhecer que se equivocou e ampliar o debate.” O consultor também chama atenção para o fato de o decreto não ter assinatura do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário. Além de dizer respeito às atividades da pasta, a CGU conta com funcionários com conhecimento técnico sobre o tema.
Por meio de nota, a CGU afirmou que a delegação da competência para classificação de informações em graus secreto e ultrassecreto já estava previsto na LAI e o novo decreto regulamenta esta possibilidade. “Quanto às alegações de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos na aplicação da LAI, ressaltamos que tal assertiva não procede, visto que as mudanças ora propostas tem por intuito simplificar e desburocratizar a atuação do Estado”, diz o órgão.