Governo articula para criar cargo de senador vitalício para ex-presidentes
A ideia da PEC, que aumentaria o número de senadores de 81 para 87, divide opiniões dentro e fora do Congresso
Em junho passado, o clima beligerante entre o governo e o Supremo Tribunal Federal atingia o ápice. Jair Bolsonaro não escondia a convicção de que os ministros da Corte articulavam para prejudicá-lo e beneficiar seus adversários. Os ministros, por sua vez, também não escondiam as suspeitas de que os ataques do presidente tinham o objetivo de empastelar as eleições. Em certo momento, tentou-se um acordo de paz. As hostilidades retóricas cessariam e, em contrapartida, o STF se comprometia a encerrar antes do início da campanha o polêmico inquérito que apura a disseminação de fake news. A proposta previa ainda a aprovação de uma emenda constitucional criando o cargo de senador vitalício para ex-presidentes da República. Era uma maneira de diminuir as tensões. Na época, circulavam rumores de que o ex-capitão poderia ter a prisão decretada quando deixasse o Planalto. O pacto não avançou, mas a derrota nas urnas trouxe de volta os antigos rumores — e também fez ressurgir a antiga proposta.
Nos últimos dias, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) tem feito um périplo pelos gabinetes dos colegas. Líder do governo no Congresso, ele confirmou a VEJA que está cabalando apoio para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende apresentar ainda neste mês criando o cargo de senador vitalício. Em tese, estariam aptos a assumir as vagas, além de Jair Bolsonaro, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Michel Temer. O texto ainda está em fase de construção, mas, de acordo com o parlamentar, deve reproduzir experiências similares já testadas em outros países. Os vitalícios assumiriam o cargo na próxima legislatura e teriam prerrogativas diferenciadas. Em princípio, poderiam discutir projetos de lei, integrar comissões temáticas, mas não participariam de votações de emendas nem do processo de escolha do presidente do Senado. Formariam uma espécie de conselho de alto nível. “Imagina como o debate seria enriquecido se a gente tivesse o ex-presidente Sarney duas vezes por semana aqui no Senado”, diz Gomes.
Não é a primeira vez que o Congresso discute essa proposta. A ideia já foi apresentada quando Fernando Henrique deixou o governo. Depois foi a vez de os petistas voltarem ao tema quando se aproximava o fim do mandato de Lula. E tentou-se de novo no epílogo do governo Dilma. Agora, não por acaso, reaparece no apagar das luzes da gestão de Jair Bolsonaro. Eduardo Gomes, porém, ressalta que o renascimento da PEC não é casuísmo. Pelo contrário, foi o casuísmo que sempre impediu o projeto de avançar. Segundo ele, crises como as deflagradas pela prisão de Lula ou de Michel Temer após deixarem o Planalto poderiam ter sido evitadas. O senador governista nega que a proposta tenha o objetivo apenas de garantir o foro por prerrogativa de função a Bolsonaro, pelo qual responderia a eventuais processos no Supremo. “A meta é você ter um país minimamente pacificado depois da eleição”, ressalta o autor, que já conversou com mais de duas dezenas de parlamentares sobre assunto, incluindo o senador Flávio Bolsonaro, que deu sinal verde.
Pelo texto que está sendo elaborado, os vitalícios teriam direito apenas ao gabinete e a alguns assessores do corpo efetivo do Senado, ou seja, o custo para o contribuinte seria praticamente zero. Gomes ressalta que ainda há dúvidas legais de que o título poderia ser dado a ex-presidentes cujo mandato tivesse sido alvo de percalços constitucionais, caso de Collor e Dilma, ambos cassados depois de um processo de impeachment. Mas esse detalhe ainda será definido. Politicamente, aprovar a PEC agora permitiria a Jair Bolsonaro ganhar uma visibilidade e uma carapaça contra eventuais processos que nem todo mundo está disposto a conceder. “Não há a menor possibilidade de apoiar isso”, afirma o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). “Isso aqui não é uma Casa de lordes”, critica o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “É absurdo, uma coisa sem pé nem cabeça. Estão com medo de que Bolsonaro vá preso?”, perguntou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
A proposta, que aumentaria o número de senadores de 81 para 87, também divide opiniões fora do Congresso. Para Carlos Velloso, ex-ministro do STF, a ideia é controversa: “Isso seria uma desmoralização para o Parlamento. Ali tem de sentar senadores eleitos em votação direta”. E, segundo ele, também pode ser uma medida inconstitucional: “É preciso verificar se a emenda que será apresentada não vai ferir cláusulas pétreas da Constituição”. Diz o cientista político José Álvaro Moisés: “O precedente que existe no caso brasileiro é da ditadura militar. É o pior exemplo que temos e que não devemos tentar repetir. Seria um senador sem representatividade. Não faz sentido do ponto de vista democrático”. Durante o regime militar, para manter a hegemonia no Congresso, o presidente da República indicava um terço do Senado. Os escolhidos eram chamados pejorativamente de senadores biônicos.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815