Nos últimos quatro anos, a Operação Lava Jato investigou suspeitas de crimes em diversos órgãos da administração pública, mas foi na relação criminosa entre empreiteiras e dirigentes da Petrobras que tudo começou – e onde, também, se alcançaram os resultados mais significativos, em termos de retorno de valores da corrupção e réus condenados. Após pouco mais de um ano de trabalho, a força-tarefa da operação em São Paulo parece ter finalmente encontrado aquele que será o foco das suas investigações no estado: a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), estatal de engenharia do governo de São Paulo, comandado nas últimas duas décadas pelos tucanos José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin.
Conhecida por suas grandes obras de infraestrutura, a Dersa voltou ao noticiário policial nesta quinta-feira, 21, com a notícia da prisão de Laurence Casagrande Lourenço, executivo que a dirigiu de 2011 até abril deste ano. De acordo com a representação apresentada pela Polícia Federal à Justiça, ele é suspeito de ter, como presidente da estatal, assinado aditivos aos contratos de construção do trecho norte do Rodoanel que aumentaram os custos da obra sem qualquer necessidade, beneficiando as empresas responsáveis.
O Ministério Público Federal (MPF) estima os prejuízos aos cofres públicos, em virtude do total dos aditivos investigados na operação, em cerca de 600 milhões de reais. Para se ter dimensão do tipo de contrato administrado pela estatal, apenas essa obra tem um orçamento total de 6,4 bilhões de reais para sua construção.
Em uma empresa deste porte, com a construção de rodovias, ferrovias e portos, além da gestão das travessias litorâneas paulistas, o envolvimento de seus principais gestores com suspeitas de corrupção acende a luz amarela das autoridades. Ainda mais, quando essa empresa é uma estatal, com diretores nomeados pelos gestores políticos do PSDB e com contratos com as mesmas empresas envolvidas no escândalo da Lava Jato, como a OAS e a Odebrecht.
Lourenço foi o segundo dos dirigentes da Dersa envolvidos em investigações. O antecessor, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, já foi preso duas vezes em uma investigação que apura desvio de 7,7 milhões de um programa de reassentamento de moradores retirados de suas casas em razão de uma obra da estatal. Ele é considerado um arrecadador de dinheiro para campanhas eleitorais do PSDB, o que ele e o partido negam.
Em entrevista nesta quinta, a procuradora Anamaria Osorio Silva, da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF), foi questionada sobre as relações entre os esquemas observados na Dersa e na Petrobras – ela concordou, enfatizando que nas duas estatais os delitos foram contínuos, ao longo de mais de uma gestão. “Pelo montante envolvido, um desvio que chega a 600 milhões de reais, nós podemos dizer que foram atos sucessivos repetidamente criminosos com o desvio de recursos públicos. Então, é possível dizer sim que havia uma sistemática de atuação contra o erário público na Dersa”. Ela ainda relacionou a investigação atual à de Paulo Preto, falando em “sistemática da corrupção” nos processos da estatal.
O inquérito sobre as obras do Rodoanel Norte começou antes da força-tarefa da Lava Jato, em 2016. A apuração passou a ser considerada parte das investigações, no entanto, por repetir o modus operandi do esquema das empreiteiras. Segundo a procuradora Thaméa Danelon, trechos de depoimentos de delatores da operação, que ainda estão em sigilo e que tratam dos fatos investigados em São Paulo, também estão sendo considerados.
História se repete
A prisão de Laurence Casagrande Lourenço faz lembrar uma situação vivida pela Petrobras nos primeiros meses de Operação Lava Jato. Em fevereiro de 2015, as investigações avançavam e Graça Foster renunciou à presidência da Petrobras. Para o lugar dela, a então presidente Dilma Rousseff (PT) nomeou Aldemir Bendine, vindo de uma passagem prestigiada pelo Banco do Brasil e que chegava para “blindar” a estatal e não permitir que ela fosse afetada pelas investigações.
Há três meses, o juiz Sergio Moro condenou Bendine a 11 anos de prisão por ter aceitado propinas da Odebrecht no período em que era chefe da petrolífera. Lourenço, que antes de assumir a Dersa, foi da multinacional de inteligência Kroll com “experiência na iniciativa privada e em (detectar) superfaturamento de contratos”, como disse o secretário Saulo de Castro ao jornal Folha de S.Paulo em 2011, está envolvido em suspeitas de, justamente, superfaturamentos.
Alckmin
A nova investigação aumenta e muito a temperatura sobre a pré-candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência. A representação da PF não cita nominalmente o ex-governador, mas faz uma correlação entre fatos que podem indicar a proximidade entre ele e o ex-presidente da Dersa: a nomeação de Laurence Casagrande Lourenço como secretário estadual de Logística e Transportes do governo do tucano teria ocorrido exatamente no mesmo dia em que o Tribunal de Contas da União (TCU) fazia uma ação de coleta de dados na estatal. O resultado, segundo o delegado João Luiz Moraes Rosa, foi que o novo secretário ganhou foro privilegiado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e as investigações foram atrasadas.
“Nesse interregno, mais precisamente na data de 03/05/2017, quando os técnicos do TCU realizavam trabalhos de coleta de dados, muito provavelmente in loco, ou seja, nas dependências da própria Dersa S/A, houve a nomeação do então diretor-presidente da estatal, Laurence Casagrande Lourenço, para o cargo de secretário de Estado de Logística e Transportes”, diz o delegado Moraes Rosa.
Procurado por VEJA, Alckmin se manifestou por meio de nota, afirmando “que todas as informações solicitadas foram prestadas pela Dersa ao TCU, que ainda não julgou o caso”. “O presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, reitera seu total apoio às investigações. Se houve desvio, Alckmin defende punição exemplar. Caso contrário, que o direito de defesa prevaleça”, diz o texto.
Laurence Casagrande Lourenço deixou a Dersa e a Secretaria de Transportes, que acumulou durante onze meses, em abril, quando Alckmin renunciou para disputar o Planalto e foi substituído por Márcio França (PSB). Sob a gestão de França, o executivo foi deslocado da Dersa e da pasta dos Transportes para a Companhia de Energia de São Paulo (Cesp).
Em nota conjunta, a Dersa e o governo de São Paulo disseram ser “os maiores interessados acerca do andamento do processo”. “Havendo qualquer eventual prejuízo ao erário público, o Estado adotará as medidas cabíveis, como já agiu em outras ocasiões”, completam os órgãos.
Procurada, a Cesp que era presidida por Laurence, disse, em nota, que não vai se pronunciar “porque os fatos, alvos da operação, não aconteceram no âmbito da empresa, nem no período em que o senhor Laurence Casagrande Lourenço preside a companhia”. O executivo renunciou à presidência da empresa no final da tarde desta quinta-feira.