Investigação é mais eficaz que endurecimento de lei, segundo especialistas
A 'Lei Anticrime' proposta pelo ministro Sergio Moro prevê maior rigidez na pena de delitos como roubo, corrupção e peculato
Especialistas em Direito Penal avaliam que o projeto de lei batizado de “Lei Anticrime“, que prevê o endurecimento das penas e das práticas no combate ao crime violento, é menos eficaz do que garantir uma investigação densa e complexa sobre os crimes. O ministro da Justiça e Segurança Público, Sergio Moro, anunciou nesta segunda-feira, 4, que o governo enviará o projeto ao Congresso Nacional.
Na Lei Anticrime, entre outras coisas, delitos como roubo, corrupção e peculato passam a ser cumpridos em regime inicial fechado e condenados por crimes hediondos, tortura e terrorismo perdem direito às saídas temporárias. Integrantes de facções criminosas, presos com armas de fogo, não terão o direito de progressão de pena e ficarão em presídios de segurança máxima e a lei do excludente de ilicitude é alterada.
Para o criminalista e professor de Direito Penal do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Conrado Gontijo, projetos desse tipo são “falaciosos”. “Mais importante do que você assegurar o aumento da pena, é você garantir que as investigações serão conduzidas de forma aprofundada, de forma séria. Hoje, por exemplo, em relação a crimes violentos, existe uma cifra de crimes não descobertos gigantesca. Seria muito melhor que se investisse na qualidade dos policiais, na qualidade das investigações, do que simplesmente proibir alguém que foi preso de progredir em regime.”
Gontijo acredita que a impunidade não é um problema legislativo e, sim, “a falta de instrumentos do estado, da seriedade das investigações, da inteligência policial”. “Essa ideia de endurecer as leis penais cria uma ilusão de resultados positivos que na verdade muito provavelmente não se realizará. Ficará simplesmente na ilusão, se isso for aprovado”, ele complementa.
“Aumentar a pena, vedar a hipótese de progressão de regime: nada disso funciona se o sujeito tem alguma segurança em relação ao fato de que ele não será descoberto. As investigações no Brasil de maneira geral são muito falhas. A capacidade de obter informação a respeito dos delitos por parte das autoridades policiais de maneira geral é muito limitada. Então a maior parte dos crimes de homicídio não é elucidada”, afirma o professor de Direito Penal.
O advogado e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Fábio Tofic Simantob também acredita que o necessário para o país, nesse momento, são investigações modernas “para retirar o nosso processo penal e a nossa investigação daquela investigação típica do século XIX, baseada na prova testemunhal e no reconhecimento, provas hoje mundialmente tidas como falhas”.
Simantob afirma que o projeto não apresenta nenhuma solução ou medida nova em relação ao problema principal, e causa problemas como elevar o nível de encarceramento no país. “Se ele for aprovado, ele vai elevar o nível de encarceramento. Nós já temos a terceira maior população carcerária do mundo. Nós já não temos presídio para todo mundo, pelo contrário, temos uma superpopulação carcerária. Qual é a solução? Como ele pretende implementar isso? Com o aumento de pena e aplicação de regime fechado, a explosão carcerária é inevitável”, critica.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em nota, “vê com preocupação as propostas de alteração legislativa anunciadas pelo Governo Federal”. Segundo eles, as medidas violam os princípios constitucionais da presunção de inocência, da individualização da pena e do devido processo legal, opinião que também é compartilhada entre os dois especialistas entrevistados pela VEJA.
No comunicado, a defensoria informa que defensores públicos estão elaborando Nota Técnica para “contribuir com os imprescindíveis debates que devem anteceder a aprovação de reformas que não podem ser apreciadas de afogadilho, sobretudo quando impactam de modo estrutural na legislação penal e processual penal do país”.