Juiz autoriza perguntas de Cunha a Temer que Moro havia barrado
Ex-presidente da Câmara tem permissão para enviar 19 questões ao presidente, a maioria sobre esquema de liberação irregular de recursos do FGTS pela Caixa
O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, autorizou e encaminhou ao presidente da República, Michel Temer, as dezenove perguntas formuladas pelo deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso pela Operação Lava Jato.
Cunha incluiu Temer como testemunha de defesa na ação penal que tramita na Justiça do Distrito Federal sobre o seu envolvimento em esquema de liberação irregular de recursos do FI-FGTS a empresas por meio de pagamento de propina.
No despacho do dia 24 de fevereiro, o juiz disse, no entanto, que o presidente da República pode “se reservar ao direito de não responder a perguntas impertinentes ou autoincriminatórias”. Como presidente, Temer pode responder por escrito.
Ao liberar todas as perguntas feitas por Cunha, o magistrado agiu diferentemente do juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato em primeira instância, que, em novembro, vetou 21 das 41 perguntas da defesa do ex-presidente da Câmara que haviam sido feitas a Temer, por “falta de pertinência com o objeto da ação penal”. Cunha também arrolou Temer como testemunha na ação penal em que é réu na Lava Jato, acusado de ter recebido em suas contas na Suíça propinas de ao menos 5 milhões de reais originários de contratos da exploração de petróleo da Petrobras na África.
Na decisão em que Moro nega um habeas corpus a Cunha, o juiz afirmou que ao fazer perguntas fora de contexto Cunha tentou constranger o presidente. “Tais quesitos, absolutamente estranhos ao objeto da ação penal, tinham, em cognição sumária, por motivo óbvio constranger o Exmo. Sr. Presidente da República e provavelmente buscavam com isso provocar alguma espécie intervenção indevida da parte dele em favor do preso”, escreveu o juiz.
Entre vários questionamentos liberados agora pelo juiz Vallisney, Cunha perguntou se Temer foi responsável pela nomeação de Moreira Franco, atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, como vice-presidente de Fundos e Loterias da Caixa Econômica Federal e se participou, ao lado dele, de reuniões para tratar de pedidos de financiamento com o FI-FGTS. O ex-parlamentar também pergunta se o presidente tem conhecimento de oferecimento de alguma vantagem indevida a Moreira Franco para liberação de financiamento do FI-FGTS.
O ex-presidente da Câmara indaga também se Temer conhece Benedito Júnior, ex-diretor da Odebrecht Infraestrutura, e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e se participou de reunião com os dois e com Moreira Franco para tratar de doação de campanha. Cunha quer saber ainda se “houve algum pedido político de Eduardo Paes (ex-prefeito do Rio, do PMDB), visando à aceleração do projeto Porto Maravilha para as Olimpíadas”.
Responsável pela ação penal, o juiz Vallisney deu um prazo de três dias para que as demais defesas, se quiserem, apresentem perguntas a Temer. Vallisney também relatou que o Ministério Público Federal (MPF) afirmou não ter perguntas a formular ao presidente. Devido ao feriado judiciário no Carnaval, o prazo ainda não se esgotou.
Também são réus na Justiça do Distrito Federal o ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o operador do mercado financeiro Lúcio Funaro e Alexandre Margotto, apontado como parceiro de Funaro em negócios, e Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa que fez acordo de delação premiada e detalhou o suposto esquema de desvios no banco. Eles respondem pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, prevaricação e violação de sigilo funcional.
Veja as perguntas encaminhadas por Eduardo Cunha a Michel Temer:
1 – Em qual período Vossa Excelência foi presidente do PMDB?
2 – Quando da nomeação do senhor Moreira Franco como vice-presidente de Fundos e Loteria da Caixa Econômica Federal (CEF), Vossa Excelência exercia a presidência do PMDB?
3 – Vossa Excelência foi o responsável pela nomeação dele para a Caixa? O pedido foi feito a quem?
4 – Em 2010, quando o senhor Moreira Franco deixou a CEF para ir para a coordenação da campanha presidencial como representante do PMDB, Vossa Excelência indicou Joaquim Lima como seu substituto na referida empresa pública?
5 – Vossa Excelência conhece a pessoa de André de Souza, representante dos trabalhadores no Conselho no FI/FGTS à época dos fatos?
6 – Vossa Excelência fez alguma reunião para tratar de pedidos para financiamento com o FI-FGTS junto com Moreira Franco e André de Souza?
7 – Vossa Excelência conhece Benedito Júnior e Léo Pinheiro?
8 – Participou de alguma reunião com eles e Moreira Franco para doação de campanha?
9 – Se a resposta for positiva, estava vinculada a alguma liberação do FI-FGTS?
10 – André da Souza participou dessas reuniões?
11 – Vossa Excelência conheceu Fábio Cleto?
12 – Se sim, Vossa Excelência teve alguma participação em sua nomeação?
13 – Houve algum pedido político de Eduardo Paes visando à aceleração do projeto Porto Maravilha para as Olimpíadas?
14 – Tem conhecimento de oferecimento de alguma vantagem indevida, seja a Érica ou a Moreira Franco, seja posteriormente, para liberação de financiamento do FI/FGTS?
15 – A denúncia trata da suspeita do recebimento de vantagens providas do consórcio Porto Maravilha (Odebrecht, OAS e Carioca), Hazdec, Aquapolo e Odebrecht Ambiental, Saneatins, Eldorado Participações, Lamsa, Brado, Moura Debeux, BR Vias. Vossa Excelência tem conhecimento, como presidente do PMDB até 2016, se essas empresas fizeram doações a campanhas do PMDB. Se sim, de que forma?
16 – Sabe dizer se alguma delas fez doação para a campanha de Gabriel Chalita em 2012?
17 – Se positiva a resposta, houve a participação de Vossa Excelência? A doação estava vinculada à liberação desses recursos da Caixa no FI/FGTS?
18 – Como vice-presidente da República desde 2011, Vossa Excelência teve conhecimento da participação de Eduardo Cunha em algum fato vinculado a essa denúncia de cobrança de vantagens indevidas para liberação de financiamentos do FI/FGTS?
19 – Joaquim Lima continuou como vice-presidente da Caixa Econômica Federal em outra área a partir de 2011 e está até hoje, quem foi o responsável pela sua nomeação?
(Com Estadão Conteúdo)