Preso há um ano na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicia nesta terça-feira, 23, uma nova etapa do processo em que foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, através da suposta posse oculta e reforma de um apartamento tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo.
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) incluiu em sua pauta a análise de um recurso do petista, que contesta a sentença de 12 anos e um mês de prisão a que ele foi imposto pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). No pedido, o ex-presidente planeja obter a anulação do processo e, por consequência, a sua liberdade.
O colegiado é conhecido por manter as decisões vindas das instâncias inferiores na Lava Jato. Em novembro, o relator, ministro Felix Fischer, negou monocraticamente, isto é, individualmente, o recurso do ex-presidente para que ele fosse absolvido. O que os advogados de Lula argumentam é que o recurso expõe dezoito teses jurídicas compatíveis com a jurisprudência do Tribunal e que, portanto, deveriam ser enfrentadas por todos os ministros da Turma, o que ocorre nesta terça
O julgamento do STJ ocorre sob ares de decisão de grande impacto para o futuro e a liberdade de Lula. Se o acórdão for mantido tal qual elaborado pelo TRF4, o petista pode continuar preso mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja a autorização para a prisão em segunda instância – presidente da Corte, o ministro Dias Toffoli trabalha com a possibilidade de substituir o atual entendimento pelo de executar as penas após o STJ, justamente o possível novo status de Lula.
O STJ não vai mais analisar as provas da suposta negociata que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), envolveu Lula e a empreiteira OAS. Nesta etapa da ação, a Corte vai se limitar a analisar os aspectos jurídicos do processo. Advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins contesta a autoridade do então juiz Sergio Moro e dos desembargadores do TRF4 para julgar o processo e aponta inadequações entre os fatos narrados nas sentenças e os crimes aos quais o petista foi condenado.
Uma das hipóteses de mais possibilidade de sucesso para o ex-presidente é uma eventual redução da pena. Lula alega que ele foi condenado duas vezes, por corrupção e por lavagem de dinheiro, pelo mesmo fato, que seria a ocultação de propinas pagas pela OAS, relacionadas ao “caixa geral” da empreiteira com o PT, na posse oculta e reforma do imóvel na cidade do litoral paulista. Se a pena for reduzida, cresce a chance de Lula seguir, por exemplo, para a prisão domiciliar.
Transmitido ao vivo no YouTube e nas redes sociais do STJ, o que é incomum para o Tribunal, o julgamento contará com quatro dos cinco ministros da Quinta Turma: Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas. O quinto integrante, Joel Ilan Paciornik, se declarou impedido – advogado pessoal do ministro, Renê Dotti é o representante da Petrobras na ação.
Em caso de empate, um quinto ministro será convocado. Pelos critérios de antiguidade, o mais antigo da Sexta Turma, Antonio Saldanha, seria o responsável pelo voto de minerva. O empate em 2 a 2 nesta terça atrasaria a definição do caso, uma vez que Saldanha teria direito a um tempo para analisar o caso.
Com a exceção de Saldanha, os ministros que julgarão o ex-presidente são considerados rígidos, com uma tendência a manter as condenações mais duras impostas pelas instâncias inferiores da Lava Jato. Em março de 2018, quando se debruçou sobre um habeas corpus de Lula contra a prisão, a Quinta Turma rejeitou o pedido por 5 votos a 0 e abriu o caminho para que o ex-presidente começasse a cumprir a pena.
Entenda o caso
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva adquiriu, em 2005, cotas de um imóvel simples no edifício Solaris, então construído pela Bancoop, cooperativa do sindicato dos bancários. Quando o braço da entidade sindical faliu, a obra foi assumida pela empreiteira OAS – dirigida pelo empresário Leo Pinheiro, é uma das empresas envolvidas no escândalo do petrolão.
Posteriormente, o imóvel destinado ao ex-presidente, segundo o MPF, passou a ser um tríplex, que foi inteiramente reformado pela empreiteira para atender, ainda de acordo com a denúncia, aos planos de Lula. Os recursos para cobrir a diferença entre os tipos de imóvel e para reformar o apartamento não teriam sido pagos pelo petista e bancados diretamente pela OAS.
A Lava Jato sustenta que a empreiteira, beneficiada em contratos com a Petrobras, arcou com os custos como forma de pagamento de propina ao ex-presidente e ao PT. Ao todo, Lula teria sido beneficiado em 2,4 milhões de reais, sendo 1,3 milhão de reais pelo imóvel em si e 1,1 milhão pela reforma deste. O apartamento não foi passado para o nome do petista e permaneceu listado como sendo da empreiteira, no que os procuradores enxergam como uma estratégia de defesa após a revelação da existência deste.
Em suas defesa, o ex-presidente Lula alega nunca ter feito nenhum pedido do gênero nem acertado oferta de propina por parte da OAS. O petista argumenta que visitou o imóvel em 2014, na companhia de Leo Pinheiro, mas decidiu não comprá-lo. Os advogados do petista também utilizam o registro do imóvel no nome da OAS e o envolvimento deste em operações comerciais da empreiteira como forma de alegar que a empresa dispunha do apartamento e, portanto, não teria intenção de repassá-lo a Lula.
O ex-presidente ainda busca, com mais dificuldade de sucesso, desconstruir a tese geral da Lava Jato, elaborada pelo então juiz Sergio Moro e repetida em diversas sentenças relacionadas às investigações. Para Moro, diretores da Petrobras, indicados pelos partidos PT, PP e MDB, faziam negócios espúrios com um grupo de empreiteiras, que depois pagavam propinas aos funcionários e aos políticos responsáveis pela manutenção destes nos cargos.
No caso de Lula, os recursos para a propina no caso do tríplex seriam oriundos do que o MPF chama de “caixa geral”, os recursos que seriam devidos ao partido em troca dos contratos e vantagens indevidas obtidos e que a OAS pagaria ao longo dos anos, em pequenas propinas e pagamentos e em doações formais e informais para campanhas eleitorais. É essa a tese à qual a defesa do ex-presidente se opõe frontalmente, por não ver solidez nas provas que a embasam.