Julgamento de Lula: o que dizem acusação, defesa e sentença
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidirá sobre recurso na quarta-feira. Se condenação for mantida, petista pode ficar inelegível e ser preso
Condenado a 9 anos e 6 meses de prisão pelo juiz federal Sergio Moro, em primeira instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em segunda instância, nesta quarta-feira. A decisão da 8ª Turma do TRF4, composta pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, se dará no caso da Operação Lava Jato em que Lula é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por supostamente receber propina da empreiteira OAS por meio de um tríplex no Guarujá (SP). Caso a condenação seja mantida no TRF4, Lula pode ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e impedido de concorrer à Presidência em outubro, além de ter sua prisão decretada.
Entenda abaixo as alegações de acusação e defesa e o que Moro considerou na sentença que condenou o petista:
O que diz o Ministério Público Federal
Os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, liderada pelo procurador Deltan Dallagnol, acusam Lula dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo suposto recebimento de 2,4 milhões de reais em propina da OAS. O montante teria sido destinado pela empreiteira ao ex-presidente por meio da doação de um tríplex no Guarujá (SP), avaliado em 1,3 milhão de reais, e da reforma do imóvel, ao custo de 1,1 milhão de reais. Segundo o MPF, a propina paga ao petista foi retirada de um “caixa geral” de vantagens indevidas, mantido entre OAS e PT com 16 milhões de reais desviados da Petrobras. A acusação cita especificamente três contratos, para obras nas refinarias Getúlio Vargas, no Paraná, e Abreu e Lima, em Pernambuco.
A denúncia argumenta que o tríplex 164-A do Condomínio Solaris foi dado a Lula pela OAS, embora o imóvel jamais tenha sido registrado no nome dele ou no da ex-primeira-dama Marisa Letícia. Em maio de 2005, Lula e Marisa iniciaram os pagamentos mensais de uma cota-parte que lhes daria direito a um apartamento simples, o de número 141-A, no Condomínio Mar Cantábrico, que estava sendo construído pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), então presidida por João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT preso na Lava Jato.
O MPF sustenta que, embora a cota adquirida pelo casal se referisse a um imóvel mais modesto, a Bancoop havia reservado a Lula e Marisa uma cobertura dúplex, a 174-A. Em setembro de 2009, com a cooperativa em dificuldades financeiras, a conclusão da obra foi repassada à OAS. No projeto da OAS, o nome do edifício mudou de Mar Cantábrico para Solaris e os números das unidades foram alterados: o dúplex 174-A tornou-se o tríplex 164-A. Ao assumir o empreendimento, diz o MPF, a OAS soube do interesse do ex-presidente no apartamento e envolveu a doação do imóvel e sua reforma na “conta geral” de propina devida ao PT.
Até aquele momento, o casal Lula da Silva havia pago 179.650 reais pelo apartamento 141-A. Apesar de um prazo de 30 dias para optar por pedir a devolução do valor pago ou firmar contrato com a OAS e manter a aquisição, Lula e Marisa não teriam feito nenhuma coisa, nem outra. De acordo com os procuradores, o petista e a OAS concordaram em manter o tríplex em nome da empreiteira e o imóvel jamais esteve à venda. O apartamento 141-A foi vendido pela OAS em junho 2014.
A denúncia também envolve a acusação de que a empreiteira pagou 1,3 milhão de reais em propina a Lula ao custear a armazenagem do acervo reunido pelo petista enquanto ele esteve na Presidência. O juiz federal Sergio Moro absolveu o ex-presidente neste ponto, mas o MPF recorreu e buscará a condenação dele em segunda instância.
Leia aqui a íntegra da denúncia do MPF contra Lula.
O que diz a defesa de Lula
A defesa do ex-presidente Lula argumenta que ele não é o dono do tríplex 164-A no Condomínio Solaris e que a responsável pela cota-parte do apartamento 141-A, adquirida da Bancoop, era a ex-primeira-dama Marisa Letícia. O petista, dizem seus advogados, “apenas declarou em seu imposto de renda a cota-parte”. Já o tríplex teria sido oferecido a Lula em 2014, mas o ex-presidente não se interessou pela aquisição após visitar o imóvel.
O advogado Cristiano Zanin Martins alegou no processo que a OAS Empreendimentos deu o tríplex em garantia à emissão de 300 milhões de reais em debêntures (títulos de crédito). Na operação, sustenta a defesa, os direitos econômicos do imóvel foram repassados a um fundo administrado pela Caixa Econômica Federal, o que comprovaria que ele não poderia ter sido reservado ou dado a Lula. Outro argumento no mesmo sentido, apresentado ao TRF4 na semana passada, é o de que uma decisão da Justiça do Distrito Federal determinou a penhora do tríplex para garantir o pagamento de uma dívida da OAS com uma empresa.
Os advogados de Lula também contestam a tese do “caixa geral de propinas”, ponderando que o Ministério Público Federal não apresentou provas de que dinheiro desviado dos três contratos entre OAS e Petrobras foi usado pela empreiteira para dar o tríplex ao ex-presidente. “Não basta ao Parquet [MPF] escolher – a esmo – três entre os inúmeros contratos firmados entre a Construtora OAS e a Petrobras, e depois indicar que os valores de ‘um acerto geral’ teriam sido utilizados para sacramentar a transferência e a reforma de uma propriedade (…), desincumbindo-se de demonstrar, pormenorizadamente, o rastreamento entre os valores indevidos supostamente aferidos em tais contratações”.
A defesa também argumenta que Sergio Moro não poderia ter julgado o caso do tríplex porque o suposto pagamento de propina não teria relação com a Petrobras. Neste ponto, o principal argumento da estratégia é utilizar um despacho do próprio Moro, em que ele diz que “este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para o pagamento de vantagem indevida ao ex-presidente”.
Outra alegação da defesa de Lula, na qual Cristiano Zanin insiste desde o início do processo, é a de que Sergio Moro foi parcial durante o julgamento do petista. Os defensores chegaram a afirmar, em petição ao TRF4, que o interrogatório do petista ao juiz federal foi “uma verdadeira inquisição”.
Leia aqui a íntegra das alegações finais da defesa de Lula no processo.
O que Sergio Moro considerou na sentença
O juiz federal Sergio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de 2.252.472 reais em propina da OAS. Do montante, 1,1 milhão de reais seria referente à diferença entre os 179.650 reais pagos por Lula e Marisa pelo apartamento 141-A e o valor do tríplex 164-A; o 1,1 milhão de reais restante, diria respeito às reformas no imóvel. A propina, diz Moro, foi “abatida” da “conta corrente geral de propinas mantida entre o Grupo OAS e o Partido dos Trabalhadores”.
Com base em documentos apreendidos na casa do ex-presidente, o juiz concluiu que Lula e Marisa tinham interesse no dúplex 174-A do empreendimento da Bancoop, transformado em tríplex 164-A quando a OAS assumiu a obra. O petista e a ex-primeira-dama, observou o magistrado, não buscaram reaver o dinheiro investido no apartamento padrão ou ratificar a intenção de compra do imóvel junto à empreiteira. Isso porque “a situação deles já estava, de fato, consolidada, com a atribuição a eles do apartamento 174-A, que tornou-se posteriormente o apartamento 164-A, tríplex”.
Sobre a reforma no imóvel, Moro entende que as obras foram feitas de forma “personalizada” e buscavam atender a clientes específicos, no caso, Lula e Marisa. “Não se amplia o deck de piscina, realiza-se a demolição de um dormitório ou retira-se a sauna de um apartamento de luxo para incrementar o seu valor para o público externo, mas sim para atender ao gosto de um cliente, já proprietário do imóvel”, decidiu. Para o juiz, Lula mentiu ao dizer que recebeu uma oferta para comprar o tríplex e que desistiu da aquisição após visitar o imóvel, em fevereiro de 2014. Entre as provas de que não houve desistência, estão obras personalizadas na unidade, executadas em períodos posteriores. O elevador privativo, apontou Sergio Moro, foi implantado apenas em outubro de 2014.
A respeito da alegação da defesa de Lula de que o tríplex está em nome da OAS e foi dado em garantia pela empreiteira, Sergio Moro afirmou que, embora o imóvel permaneça registrado em nome da empresa, “isso não é suficiente para a solução do caso”. “Não se está, enfim, discutindo questões de Direito Civil, ou seja, a titularidade formal do imóvel, mas questão criminal, a caracterização ou não de crimes de corrupção e lavagem”, decidiu Moro. O juiz absolveu Lula por falta de provas dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na acusação de que ele recebeu propina da OAS por meio do armazenamento de seu acervo presidencial.
Leia aqui a íntegra da sentença de Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá.