A Justiça de São Paulo proibiu, no fim da tarde desta segunda-feira, o show que o cantor Caetano Veloso faria nesta noite na Ocupação Povo sem Medo, uma megainvasão promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), com cerca de 8.000 famílias, em uma área de 72.000 metros quadrados – suficiente para abrigar dez campos oficiais de futebol – em um bairro de classe média e média alta de São Bernardo do Campo.
A decisão, da juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo do Campo, atende a pedido do Ministério Público Estadual, que alegou que a área é invadida, que a invasão é ilegal – há uma ordem judicial de reintegração de posse pendente – e que o local não tem estrutura para comportar um show desse porte, além de não ter as autorizações necessárias. O órgão foi procurado por vizinhos do acampamento, que manifestaram preocupação com a apresentação de Caetano.
A juíza, que fixou multa de 500.000 reais por dia em caso de descumprimento da decisão e disse que a polícia pode ser acionada para o impedir o show “caso necessário”, elogiou Caetano ao dizer que no local “não há estrutura para shows, ainda mais de artista tão querido pelo público, por interpretar canções lindíssimas, com voz inigualável”.
Além disso, a intervenção judicial veio após a prefeitura ter impedido a entrada na invasão de um gerador que seria utilizado no show e de a Guarda Civil Municipal e a Polícia Militar terem sido destacadas para impedir que a apresentação de Caetano acontecesse.
Logo depois de a prefeitura vetar a entrada do gerador, artistas que estavam no acampamento e que são solidárias aos sem-teto foram ao Paço Municipal tentar, sem sucesso, fazer a prefeitura recuar da decisão e permitir o show – na comitiva, estavam as atrizes Sonia Braga, Leticia Sabatella e Alline Moraes e a produtora Paula Lavigne, mulher de Caetano.
Ao chegar à ocupação, Alline classificou a decisão da juíza como “triste”. “É muito triste, eu acho que a gente tem que focar no que viemos fazer inicialmente, que é conhecer essas famílias. É um ato cultural, que já vem acontecendo há algum tempo, e eu vim hoje pela primeira vez conhecer e conversar com cada um. Infelizmente tivemos que ir ali no ministério, na prefeitura, é muito triste, dá vontade de continuar e lutar ainda mais”. Caetano, até agora, não se manifestou sobre a polêmica.
Assim que a prefeitura se mostrou disposta a impedir a apresentação, o MTST publicou em sua página oficial que o show estava confirmado e que ocorreria nem que fosse com “banquinho, violão e megafone”.
A prefeitura, comandada por Orlando Morando (PSDB), emitiu nota na qual diz que vai cumprir a decisão judicial e que Caetano pode fazer show na cidade desde que atenda ao que diz a lei. “O cantor Caetano Veloso poderá realizar o evento no município quando desejar, desde que cumpra a legislação municipal com base na lei 5468 de 15/03/2007, como todos outros artistas sempre seguiram”.
Segundo a gestão tucana, a comissão de artistas foi recebida por funcionários do primeiro escalão da prefeitura, que “expuseram as preocupações da administração em realizar o evento sem oferecer total segurança”.
Caetano engajado
A decisão de Caetano de apoiar os sem-teto veio numa sequência de engajamento político do músico, que já havia cantado em um show/manifestação em Copacabana, em maio deste ano, pela convocação de eleição direta para a Presidência da República e também tinha apoiado um protesto no Rio na semana passada pela saída do presidente Michel Temer (PMDB) do cargo.
“Estamos juntos em defesa das causas que são justas. O terreno da #OcupaçãoPovoSemMedo, em São Bernardo do Campo, está sem uso há 40 anos, com mais de R$ 500 mil de dívida de IPTU, descumprindo todas as leis sobre direito a propriedade e a Constituição”, escreveu Caetano Veloso em sua conta no Instagram.
Ele e Paula Lavigne convidam os apoiadores da causa tanto para o show quanto para uma marcha prevista para terça-feira, que irá do local da invasão ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.
No domingo, Lavigne foi ao acampamento com o artista plástico Vik Muniz, premiado no Festival de Sundance pelo documentário Lixo Extraordinário, que mostra a rotina de catadores de material reciclável no então maior aterro sanitário do país, no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ).
Veja aqui a íntegra da decisão judicial:
Por dentro da invasão
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