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Lançar candidatos sem consultar aliados é equívoco do PT, diz Tarso Genro

Ex-governador afirma que está em posição minoritária no partido ao defender a formação de uma frente ampla para frear o bolsonarismo nas eleições municipais

Por Edoardo Ghirotto
Atualizado em 7 fev 2020, 11h37 - Publicado em 7 fev 2020, 10h52

O Partido dos Trabalhadores (PT) intensificou nas últimas semanas as movimentações para preparar candidaturas próprias na maior parte das capitais e cidades estratégicas do Brasil. Essa foi uma determinação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer usar as eleições municipais deste ano para recuperar o capital eleitoral do partido antes do pleito presidencial de 2022. A estratégia, no entanto, soa como um equívoco para o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro.

Em entrevista a VEJA, Genro disse que “essa não é a melhor visão para os tempos que estamos vivendo”, após a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República. O ex-ministro de Lula afirma que está em “posição minoritária” no PT por defender que a formação de alianças deveria se pautar pelo conteúdo programático, e não pela escolha dos nomes dos candidatos ou das siglas às quais eles pertencem.

Genro passou os últimos dois anos articulando negociações para que o PT apoiasse as candidaturas de Marcelo Freixo (PSOL) à prefeitura do Rio de Janeiro e de Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre. Nos bastidores, Lula fez correr que a parceria só será consumada se os partidos se aliarem ao PT em São Paulo com a retirada de suas pré-candidaturas. “Se fizerem isso, será um erro burocrático brutal. Mais um”, critica Genro.

Reportagem de capa de VEJA desta semana trata dos atuais dilemas e da dificuldade da esquerda em encontrar alguém que unifique e lidere a oposição não apenas no pleito municipal, mas, principalmente, nas eleições presidenciais de 2022. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista que Tarso Genro concedeu por telefone.

Como o senhor avalia a estratégia adotada pelo PT para as eleições municipais deste ano? A estratégia que o PT está adotando é mais ou menos a mesma de sempre, em que são escolhidos candidatos nos locais onde há força política para, depois, compor um sistema de alianças. Para os tempos que estamos vivendo, essa não é a melhor visão. Estou minoritário no partido nessa questão. Penso que, em qualquer cidade, deveríamos localizar as forças políticas que estão de acordo numa frente política e, a partir disso, compor um programa de governo real para cada município. Uma vez superada essa etapa, conversaríamos com os aliados para buscar o melhor candidato dentro desse sistema de forças. Não deveríamos dizer previamente que teremos candidatos. Isso é um equívoco. Em muitas cidades é possível que se chegue à conclusão de que o PT tem o melhor candidato, mas esse não deve ser o ponto de partida na realidade brasileira atual.

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O PT deveria abdicar dessa posição hegemônica na esquerda para viabilizar a formação de uma Frente Ampla? O PT não pode se recusar a ser uma força hegemônica quando essas condições fluírem naturalmente nas relações políticas. Eu entendo que o ponto de partida não pode ser o pensamento de que “aqui temos um candidato, então vamos fazer alianças”. Essa formulação é equivocada porque obedece a uma lógica política anterior ao momento que vivemos com a eleição de Bolsonaro. Esse é um momento de crise do sistema liberal representativo. Dizer para os nossos aliados quem estará na cabeça não é a prioridade. O principal é se essa pessoa que estará na cabeça representa o nosso programa e está confortável para constituir um sistema de alianças novo, democrático, com o compromisso de garantir a governabilidade com os partidos que elegerem o prefeito. Proponho a inversão de como formar uma nova hegemonia. E isso não passa necessariamente por um candidato do PT.

Há um novo entendimento majoritário na direção nacional de que o PT precisa se opor ao governo Bolsonaro no campo econômico em vez de priorizar pautas identitárias. O senhor concorda com isso? A pauta identitária é importante e reflete uma mudança social, econômica, política e cultural no mundo, mas não pode ser uma soma de políticas fragmentárias. Ela deve ser um dos conteúdos de um projeto democrático para o Brasil. Isso significa propor outro modelo de estado e de relacionamento das pessoas com a política. Temo que essa posição que o pessoal defende hoje levará à ilusão de que nós poderemos restaurar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Ou seja, um pragmatismo econômico para responder aos trabalhadores e restaurar aquele tipo de proteção social que não responde mais a uma ampla maioria que é intermitente ou ‘pejotizado’. Temos de ter uma visão que diga para essas pessoas qual é o lugar que elas têm numa nova sociedade. Não vamos ganhar uma eleição nos pautando pela pauta identitária nem achando que vamos restabelecer o modelo nacional-desenvolvimentista que replicamos no governo Lula. Não sairemos favorecidos em nenhum desses projetos.

Por que o PT é incapaz de formar uma nova liderança para além do ex-presidente Lula? Isso se deve ao brilho e à capacidade política de Lula. É uma fatalidade dos projetos que dão certo, é a consagração de um líder com poder extraordinário dentro do partido. Penso que o Fernando Haddad deve ser a alternativa se o Lula não puder ser o candidato [em 2022]. Mas essa questão depende de como vamos tecer as políticas de aliança nas eleições municipais. Não é discutir se o PT estará nas cabeças, mas se o PT vai conquistar um bom sistema de alianças e se credenciará como uma força dirigente junto aos demais parceiros do campo progressista. Isso pode desenhar um bom resultado para as eleições de 2022. Caso contrário, patinaremos nos percentuais que estamos postos até agora.

O senhor soa pessimista ao tratar do panorama eleitoral para 2022. Eu diria que sou realista. Há muito tempo tenho debatido essa questão da horizontalidade da produção das políticas. Em todos os países em que movimentos populares saíram às ruas para fazer as suas demandas, os partidos não estavam à frente. E por quê? Porque os partidos não se reatualizaram na sua visão de mundo, na subjetividade das classes populares e não escolheram corretamente quais temas deveriam ser prioritários.

Quando diz que está em posição minoritária no partido, ao lado de quem o senhor se coloca?  Trabalhei fundamentalmente nos últimos dois anos em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, que eram lugares em que eu tinha a maior possibilidade de formular alianças e de trabalhar com instâncias de diversos partidos. Nesses dois lugares temos boas perspectivas com o Marcelo Freixo e a Manuela D’Ávila. Não posso dizer que o que eu fiz até agora foi improdutivo, porque nesses dois lugares conseguimos hegemonizar um pensamento político mais aberto.

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Chegaram até o senhor as conversas de que as alianças no Rio e em Porto Alegre só serão confirmadas caso as exigências do PT sejam atendidas em São Paulo? Sim, elas têm chegado. Se fizerem isso, será um erro burocrático brutal. Mais um.


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