Leite aposta no equilíbrio entre extremos para vencer uma disputa acirrada
Em meio à polarização da eleição nacional, o tucano fica entre petistas e bolsonaristas no Rio Grande do Sul
Desde que anunciou sua candidatura no Rio Grande do Sul, Eduardo Leite transformou-se no caso único de um ex-governador concorrendo à reeleição. O tucano renunciou ao cargo em março, cumprindo a promessa de que não disputaria um segundo mandato pelo estado e com aspirações de voos mais altos, de olho na possibilidade de encabeçar a chapa do PSDB no pleito presidencial. Derrotado nas prévias do partido, ele namorou por uns tempos a possibilidade de bater asas do ninho para concorrer ao Palácio do Planalto por outra sigla, mas acabou voltando atrás e, sem alternativa, entrou no páreo gaúcho. Além de ser obrigado a explicar aos eleitores essa reviravolta, teve o constrangimento no início da campanha de responder a críticas por receber uma aposentadoria de 19 600 reais como ex-governador tendo apenas 37 anos. Em termos de estratégia, iniciou a caminhada tentando se equilibrar entre o eleitorado petista e bolsonarista, de forma a evitar que o forte vento de polarização nacional contaminasse o clima dos pampas.
A despeito da caminhada errática e de tantos obstáculos, Leite vem liderando a disputa contra o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), que é um dos mais fiéis aliados de Jair Bolsonaro. No primeiro turno, tomou um grande susto e só conseguiu passar à fase final graças a uma diferença de cerca de 2 500 votos. Lorenzoni terminou à frente do tucano, mas agora as posições aparecem invertidas nas pesquisas de segundo turno, graças à migração de votos dos eleitores de esquerda que enxergam Leite como alternativa para derrotar o bolsonarismo por lá, depositando votos justamente num político que figurou na frente ampla de direita a favor de Jair Bolsonaro contra o PT em 2018. Na campanha, o ex-governador procura concentrar agendas na região metropolitana de Porto Alegre, polo da esquerda gaúcha, e promete manter a agenda liberal na economia, mas sem pregar a privatização do Banrisul. Foi o suficiente para conquistar o voto público de Manuela D’Ávila, ex-deputada pelo PCdoB, e o apoio velado de Paulo Pimenta, presidente do PT-RS.
Só que Leite precisa ser comedido nos acenos aos petistas, de forma a não afugentar os votos mais conservadores que são necessários à sua vitória. Em um tremendo esforço para se equilibrar sob o fio da navalha política, o ex-governador agora se diz decepcionando com Bolsonaro, mas procura calibrar o discurso, pois esse tipo de crítica não cai muito bem até hoje no Rio Grande do Sul, onde há ainda um apoio forte ao capitão (no primeiro turno, Bolsonaro venceu Lula no estado por 48,9% a 42,3%).
O complicador é o discurso de Lorenzoni, totalmente alinhado ao do presidente. Com o objetivo de atacar o tucano, de forma lamentável, ele utilizou-se até de uma fala homofóbica como munição contra Leite no horário eleitoral. Na ocasião, afirmou que, se fosse vencedor, o estado teria uma “primeira-dama de verdade”. Além disso, tenta colar no rival a imagem de “traidor” por ele ter renunciado ao governo do estado, estratégia vista como bem-sucedida pela campanha de Onyx, que considera que boa parte do eleitorado gaúcho não recebeu bem a decisão e se sentiu abandonada pelo tucano. “Onyx avança a cada dia, inclusive em regiões onde Eduardo Leite é bastante forte”, afirma o deputado Sanderson (PL), um dos principais articuladores da campanha.
Por enquanto, ao contrário da percepção dos adversários, o tucano tem resistido bem aos ataques. Além do apoio recebido da esquerda gaúcha, o ex-governador deixou o Palácio Piratini aprovado por quase 50% dos gaúchos, graças principalmente ao esforço bem-sucedido de recuperação das finanças do estado, que incluiu uma reforma fiscal e administrativa. Na campanha, a posição mais neutra em relação à polarização nacional é vendida aos eleitores como uma qualidade, enfatizada pelo lema “Estender a mão a todos os gaúchos”. “Estamos mostrando quem vai trabalhar no estado pelo diálogo, contra os preconceitos e a favor da democracia”, afirma o deputado federal Lucas Redecker, presidente do PSDB-RS.
O desfecho da disputa estadual será fundamental para o futuro político de Leite. Caso consiga manter seu eleitorado, incrementá-lo com a esquerda e vencer o bolsonarismo, como as pesquisas mostram ser possível, o tucano que despontou como uma jovem liderança e teve chance concreta de disputar a Presidência da República se cacifa novamente como um nome para ajudar a reconstruir o centro para as eleições de 2026. Para o moribundo PSDB, o triunfo nos pampas pode representar também um belo prêmio de consolação em meio a tantas derrotas sofridas em 2022. Ironicamente, parte do futuro da sigla que sempre foi muito criticada por ficar em cima do muro depende hoje do gaúcho que se equilibra entre os extremos na tentativa de ganhar mais um mandato à frente do Palácio Piratini.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812