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Lula e Bolsonaro abrem segundo turno com foco em embate no Sudeste

O epicentro do confronto, que reúne 42% dos eleitores do país, se tornou ponto estratégico para a corrida por alianças políticas que podem ser decisivas

Por Daniel Pereira, Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h49 - Publicado em 7 out 2022, 06h00

O primeiro turno da eleição presidencial teve dois vencedores. O ex-­presidente Lula (PT) recebeu 57 259 504 votos, terminou na primeira colocação, mas não conseguiu liquidar a fatura em 2 de outubro, como sonhavam alguns de seus aliados. Já Jair Bolsonaro (PL) amealhou 51 072 345 votos, entrou para a história como o primeiro presidente em busca da reeleição a ficar na segunda colocação, mas não só garantiu a realização do segundo turno como deu uma senhora demonstração de força na reta final da campanha, assegurando a seu partido as maiores bancadas da Câmara e do Senado e devolvendo a seu grupo político uma perspectiva de poder que parecia rumar para as bandas do adversário. As entrevistas dos dois candidatos após a divulgação do resultado revelaram um misto de frustração e preocupação de um lado e de alívio e euforia do outro, numa inversão dos estados de espírito reinantes até então. Embalado por uma reação que não foi devidamente detectada por boa parte dos institutos de pesquisa, Bolsonaro não perdeu tempo e fechou acordos estratégicos no Sudeste — o epicentro da disputa, que reúne 42% dos eleitores do país.

DOBRADINHA - Lula e Helder Barbalho: aliança com seis governadores eleitos -
DOBRADINHA - Lula e Helder Barbalho: aliança com seis governadores eleitos – (Ricardo Stuckert/.)

Desde a retomada das eleições diretas para presidente da República, venceu quem passou em primeiro lugar para o segundo turno. Em busca de uma virada inédita, Bolsonaro retomou a campanha abrindo vantagem sobre Lula no principal teatro de operações da campanha de 2022. Na terça-feira 4, apenas dois dias após a votação, o presidente apareceu diante das câmeras para receber o apoio dos governadores reeleitos de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Ele também fechou uma aliança com o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que, após fracassar em sua tentativa de renovar o mandato, anunciou apoio incondicional a Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato do presidente na eleição em São Paulo. Ou seja: se as promessas forem cumpridas, Bolsonaro contará com a ajuda da máquina estadual nos três maiores colégios eleitorais do país. Neles, obteve 2,17 milhões de votos a mais do que Lula no primeiro turno. Considerando toda a Região Sudeste, que inclui ainda o estado do Espírito Santo, a diferença foi de quase 2,5 milhões de votos. Parece uma boa margem, mas é insuficiente para permitir uma virada.

arte São Paulo

Só na Bahia, Lula conseguiu 3,8 milhões de votos a mais do que o rival no primeiro turno. Na Região Nordeste, o petista abriu uma frente de cerca de 13 milhões de votos. Em razão desses números, a coordenação de campanha de Bolsonaro definiu como prioridade ampliar o placar favorável ao presidente no Sudeste, recorrendo à máquina pública — com suas verbas orçamentárias e obras em andamento — e à ajuda de políticos que fazem parte da coligação governista. O PL de Bolsonaro elegeu o maior número de deputados federais em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. É certo que essa tropa entrará em campo, estimulada pela promessa de benesses, como acesso privilegiado às famosas emendas de relator. Em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, em que Lula venceu Bolsonaro no primeiro turno por mais de 500 000 votos, a meta é garantir ao presidente uma vantagem de pelo menos 1 milhão de votos no segundo turno. Romeu Zema é peça-chave nesse plano. No primeiro turno, ele não fez campanha para Bolsonaro e ainda estimulou o voto casado “Lula e Zema”. Agora, já reeleito, o governador trabalhará pelo presidente, com quem fez dobradinha em 2018, prometendo parceria administrativa e reforçando o discurso antipetista. Campeão de votos para a Câmara dos Deputados em 2022, Nikolas Ferreira (PL-MG) também foi escalado. Com 4 milhões de seguidores no Instagram, ele tentará ampliar o alcance digital do discurso do presidente. “Vamos focar na juventude não só em Minas, mas em São Paulo e no Rio”, diz.

ESTRATÉGICO - Bolsonaro e Rodrigo Garcia: apoio incondicional em São Paulo -
ESTRATÉGICO - Bolsonaro e Rodrigo Garcia: apoio incondicional em São Paulo – (Bruno Santos/Folhapress/.)

A campanha de Bolsonaro também dará atenção especial ao Nordeste. Na semana passada, durante uma visita a um templo da Assembleia de Deus, em São Paulo, o presidente — acompanhado da primeira-dama, Michelle, e de Tarcísio de Freitas — pediu que os evangélicos liguem para os seus parentes no Nordeste a fim de explicar o risco de votar em Lula. O objetivo é diminuir a dianteira do petista na região (veja matéria na pág. 38). Pelo menos duas estratégias foram traçadas com essa intenção. Uma delas é fechar uma aliança com ACM Neto (União Brasil), candidato ao governo da Bahia, que assim abriria palanque ao presidente. Neto já foi procurado por interlocutores de Bolsonaro, que acenam a ele com a possibilidade de receber um cargo público de relevância no futuro governo. O raciocínio dos bolsonaristas é o seguinte: Neto, se mantiver a neutralidade, perderá no segundo turno para o candidato do PT, Jerônimo Rodrigues. Caso se alie ao presidente, pode virar ou perderá de pouco e será credor de uma retribuição. Se recusar a parceria, perderá de muito e ficará na chuva, sem perspectiva de futuro. A segunda estratégia é apostar na abstenção no Nordeste, lembrando a deputados e prefeitos que é ilegal o transporte de eleitores aos locais de votação, prática muito comum na região.

SEM SURPRESA - Bolsonaro e Castro: esforço para ampliar vantagem no Rio -
SEM SURPRESA - Bolsonaro e Castro: esforço para ampliar vantagem no Rio – (Fátima Meira/Futura Press/.)

A campanha do ex-presidente também considera o Sudeste prioritário. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, recebeu a missão de coordenar os esforços no estado e tentar neutralizar a ação de Cláudio Castro. Em Minas, o objetivo é garantir a vitória de Lula, por menor que seja o placar. Em São Paulo, o esforço será para impedir que Bolsonaro aumente demais a vantagem no estado, onde ele conquistou 8 milhões a mais de votos do que Haddad no segundo turno de 2018. No maior colégio eleitoral do país, o PT intensificará a busca de votos nas regiões metropolitanas, nas periferias e entre os mais jovens e mais pobres. Também será reforçada a ofensiva no interior do estado com o objetivo de atenuar o antipetismo, que, assim como fez Zema, foi realçado por Rodrigo Garcia ao se aliar a Bolsonaro. Nessa empreitada para reduzir a rejeição, Lula conta com a ajuda de seu vice, Geraldo Alckmin, que governou São Paulo em quatro mandatos diferentes, e da senadora Simone Tebet, que ficou em terceiro lugar na corrida presidencial, teve 1,6 milhão de votos no estado e anunciou apoio ao petista por reconhecer nele “compromisso com a democracia”.

PELA CAUSA - Tebet: apoio ao petista pelo “compromisso com a democracia” -PELA CAUSA – Tebet: apoio ao petista pelo “compromisso com a democracia” ––

Além da emedebista, o PDT declarou apoio a Lula. Ciro Gomes, o candidato pedetista à Presidência, gravou um vídeo para dizer que seguirá a decisão do partido, mas em nenhum momento anunciou voto em Lula. Ele nem sequer citou o nome do ex-presidente, de quem se tornou crítico feroz. Não à toa, seu posicionamento foi comemorado na campanha de Bolsonaro. Nessa disputa por adesões, Lula também recebeu manifestações favoráveis de integrantes da velha guarda do PSDB e formuladores de políticas públicas. Entre eles, destacam-se o ex-­presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-comandante do Banco Central Armínio Fraga. Desde o início da campanha, Lula e seus aliados trabalharam para vencer a disputa no primeiro turno. Faltou 1,8 milhão de votos para que alcançassem esse objetivo. Apesar de o ex-presidente ter vencido na rodada inicial por 6 milhões de votos, integrantes do partido dizem que a reta final será acirrada. A realidade corrobora essa análise.

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CONSTRANGIDO - Ciro: vídeo para dizer que seguirá a decisão do partido -
CONSTRANGIDO - Ciro: vídeo para dizer que seguirá a decisão do partido – (./Reprodução)

arte Brasil estados

Em 2 de outubro, Lula venceu em catorze unidades da Federação, e Bolsonaro em treze (veja o quadro acima). Dos quinze governadores eleitos no primeiro turno, nove apoiarão Bolsonaro e seis marcharão com Lula, entre eles Helder Barbalho, reeleito no Pará. Em compensação, o ex-presidente é aliado de nove candidatos a governador que disputarão o segundo turno, enquanto Bolsonaro está fechado com sete. Existe ainda um outro fator que pode desequilibrar essa disputa: o poder da máquina pública. Fechadas as urnas do primeiro turno, o governo decidiu incluir mais 500 000 famílias no Auxílio Brasil e antecipar o pagamento do benefício de outubro, assegurando que as duas bondades sejam efetivadas antes da realização do segundo turno. O PT, que manejou a máquina a seu favor quando comandava o país, agora tem o dissabor de enfrentá-la — e sem poder reclamar, já que as medidas em questão têm forte apelo popular, especialmente porque elas beneficiam o eleitorado mais fiel ao ex-presidente Lula. Será um embate de gigantes.

Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810

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