Mauro Cid: os avanços no caso das mensagens após revelações de VEJA
As evidências de que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro violou regras da delação se ampliam

VEJA revelou no mês passado que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, usou um perfil no Instagram através do qual fez uma série de comentários sobre o conteúdo de sua delação premiada, reclamou que a Polícia Federal distorcia seus depoimentos e colocou em dúvida a imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) do processo que apura a suposta tentativa de golpe de Estado no apagar das luzes do governo passado. Os diálogos provavam que o militar não só violou a confidencialidade de seu termo de colaboração, como também descumpriu determinações da Justiça, entre elas, a que proibia o uso de redes sociais. À risca do que foi acertado, a desobediência poderia resultar no rompimento imediato do acordo e até em uma ordem de prisão. Mesmo diante das provas, Cid negou que tivesse mantido contato com quem quer que seja, garantiu que as tais conversas, se existiram, não eram suas e insinuou que estaria sendo vítima de uma trama patrocinada por pessoas interessadas em desacreditar as revelações que ele fez à Polícia Federal.
Contrariando essa versão, o advogado Luiz Eduardo Kuntz se apresentou como o interlocutor do tenente-coronel e entregou ao STF um conjunto de mensagens trocadas entre os dois pelo perfil intitulado ‘gabrielar702’. Convocado a se explicar, o militar insistiu que a conta não era dele, disse que nunca falou com ninguém sobre os depoimentos e acusou Kuntz e os advogados Fabio Wajngarten e Paulo Cunha Bueno de terem feito investidas contra a esposa e uma de suas filhas em busca de informações sobre a colaboração. O impasse levou o ministro Alexandre de Moraes a determinar que os três prestassem depoimento para apurar se houve tentativa de obstrução da Justiça, já que Kuntz defende um militar da reserva acusado de participação na trama golpista, enquanto Wajngarten e Cunha Bueno são ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo da delação. Na terça-feira 1º, Kuntz reafirmou à PF que a conta na rede social foi usada por Mauro Cid, que a iniciativa das conversas partiu do ex-ajudante de ordens e que com os contatos com os familiares do delator nada tiveram a ver com o processo.

Kuntz já havia apresentado ao Supremo uma selfie que lhe fora enviada por Mauro Cid quando as conversas por meio do perfil começaram. Na terça-feira, ele apresentou à PF três áudios em que o tenente-coronel lhe agradece por ter ajudado sua filha a se inscrever em competições de equitação — a mesma versão também de Wajngarten e Cunha Bueno para justificar os diálogos com os familiares do delator. Responsável por revelar a existência de reuniões de teor golpista que levaram Bolsonaro e mais de trinta integrantes do antigo governo ao banco dos réus, Cid, nas conversas por Instagram, disse que a investigação era “um jogo sujo”, que o ministro Alexandre de Moraes já tinha “uma sentença pronta” para condenar Bolsonaro e outros dois generais e que para atingir esse objetivo os policiais “queriam colocar palavras na minha boca”. Como delator, ele não pode faltar com a verdade, omitir fatos ou revelar o conteúdo dos depoimentos prestados, sob pena de perder benefícios, entre eles o de não ficar preso por mais de dois anos em caso de condenação. Se ficar provado que houve algum tipo de coação, as informações podem ser invalidadas e, em último caso, o processo pode até ser anulado.
É absolutamente improvável que o caso caminhe nessa direção. A situação de Mauro Cid, no entanto, não é confortável. A pedido do relator do processo, as empresas Meta e Google informaram que o perfil ‘gabrielar702’ foi criado a partir de um e-mail que pertence a ele, que o endereço eletrônico para a verificação da conta também é de um segundo e-mail utilizado pelo militar e que o número do celular vinculado à conta é o mesmo do delator. Além disso, foi possível identificar a localização do computador que criou e acessou o perfil no Instagram: Setor Militar Urbano, em Brasília, onde mora até hoje o ex-ajudante de ordens. A defesa de Jair Bolsonaro solicitou que essas descobertas fossem anexadas de imediato ao processo da tentativa de golpe. Alexandre de Moraes, porém, negou o pedido, justificando que o tribunal analisará o caso no momento adequado.
Publicado em VEJA de 4 de julho de 2025, edição nº 2951