Milícia procurou Adriano “para resolver a Marielle”, diz ex-mulher
Proposta de delação premiada, no entanto, não foi aceita. Promotores justificaram que foram detectadas inconsistências e ausência de provas nos relatos
Em julho de 2021, Júlia Lotufo, mulher do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, propôs um acordo de delação premiada ao Ministério Público do Rio. Ela relatou a participação de milicianos na morte da vereadora Marielle Franco. Em um vídeo de 27 minutos a que VEJA obteve acesso, Júlia conta que Adriano foi convidado para executar a vereadora e não aceitou. O autor da proposta, segundo ela, era “Maurição” (tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa), chefe da milícia de Rio das Pedras, e o mandante do crime seria “Girão” (ex-vereador Cristiano Girão), chefe da milícia de Gardênia Azul – ambas na Zona Oeste do Rio.
Júlia contou que Maurição procurou Adriano a pedido de Girão “para resolver a Marielle”, que desenvolvia trabalhos sociais nas áreas de milícias. Os milicianos acreditavam que Marielle expandiria sua influência na Cidade de Deus, Gardênia Azul e Rio das Pedras. “Se a mulher vir aqui vai acabar com tudo”, disse Maurição a Adriano, segundo Júlia. Ela reproduziu o que Adriano teria dito a Maurição. “Maurício, sai fora disso, isso vai dar problema, ela é uma parlamentar, ela é negra, lésbica e fala pra cacete, isso vai dar m., vocês vão arrumar confusão, e nem vem com essa história pra cá de Marielle, não aceito isso, não quero saber de Marielle aqui, vocês estão numa suposição de Gardênia Azul, que está encralacrada lá com ela, então eu não quero saber disso, eu não quero isso aqui no Rio das Pedras”, disse Adriano, conforme reproduziu Júlia.
A mulher de Adriano descreve a reação do marido ao saber do crime. “Foi um divisor de águas na nossa vida. A Marielle foi a única morte que eu realmente falei para o Adriano: ‘olha só, se você fez isso, pra mim deu, não vou mais bancar isso, eu tenho uma filha, nossa vida acabou, foi quando ele me jurou de pé junto: ‘não fui eu, não fui eu, você pelo menos tem que acreditar que não fui eu’”, contou Júlia na delação.
Após o assassinato, Júlia diz que Adriano reuniu os integrantes do Escritório do Crime e todos negaram participação na morte de Marielle. Ela afirmou que Adriano cobrou explicações de Maurição, em um encontro num campo no lixão de Rio das Pedras. “Cara, você vai ser preso por causa da Marielle, o carro saiu daqui, se eu fosse você não ficava mais aqui, vai ter mais operação por causa da Marielle”, contou Júlia.
Adriano também tinha convicção sobre o autor dos disparos. “Ele (Adriano) falou: foi o Lessa que matou. Foi o modus operandi do Lessa, é a arma que o Lessa usa, não saiu do carro, os assassinatos do Lessa, o Lessa tem dificuldade para entrar e sair (no carro), então, tenho certeza que foi o Lessa, e está atendendo ao Maurício nisso”, disse Adriano à esposa, se referindo ao ex-policial Ronnie Lessa, preso e apontado como autor do crime.
A proposta de delação de Julia foi recusada. Os promotores justificaram que foram detectadas inconsistências e ausência de provas em alguns dos relatos. Em fevereiro de 2020, Adriano da Nóbrega foi executado por policiais militares no município de Esplanada, na Bahia, morte que até hoje não foi esclarecida.