Ao responder a uma consulta de um grupo de deputadas e senadoras em maio, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que os 30% do 1,7 bilhão de reais do Fundo Especial para o Financiamento de Campanha deve ser usado para financiar candidaturas de mulheres nas eleições 2018. O TSE seguiu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dois meses antes, que disse o mesmo a respeito das parcelas do Fundo Partidário, destinado à manutenção dos partidos, que forem utilizados nas campanhas.
A ideia era simples, como explica a advogada eleitoral Marilda Silveira: “A lógica da decisão é transformar dinheiro em mais cadeiras no Legislativo, mais mulheres eleitas, principalmente para a Câmara”. Hoje, no Brasil, apenas 9% dos deputados são mulheres. A cota de candidaturas femininas foi concebida para ampliar essa proporção, e a repetição desta lógica na partilha do fundo segue a mesma trilha.
Porém, uma variável extra deixa essa equação mais complicada. Responsáveis pela criação do Fundo Eleitoral, os atuais deputados, com óbvia ascendência nas direções partidárias, vão priorizar sua própria campanha à reeleição. Já que a conta da relação entre priorizar os deputados com votos e as mulheres que ainda pretendem ser eleitas não fecha, os partidos encontraram uma brecha na lei para cumpri-la.
A manobra está em incluir na cota dos 30% para as mulheres as despesas com as candidaturas majoritárias (a presidente, governador ou senador), e não apenas com as campanhas proporcionais (a deputado federal e estadual). Para a mágica acontecer basta indicar uma mulher, como vice ou não, em uma chapa majoritária: tradicionalmente mais dispendiosa, esta eleição facilita o cumprimento da cota.
Observando que o eleitorado brasileiro hoje é composto, majoritariamente, de mulheres, os candidatos resolvem duas coisas com uma escolha só: acenam a essa parcela significativa de eleitoras e, ao mesmo tempo, ficam mais livres para distribuir o restante do valor de acordo com as suas estratégias eleitorais, sem ter de reduzir os recursos dos atuais deputados por mais e novas mulheres nos cargos escolhidos por proporção, a Câmara dos Deputados e as assembleias legislativas.
Em 2018, cinco das treze coligações têm mulheres na chapa majoritária. O número conta Manuela D’Ávila (PCdoB), que não será neste momento registrada como candidata a vice-presidente na chapa do PT, mas que, de acordo com o partido, estará na chapa até o dia 7 de outubro, quando o imbróglio jurídico em torno do ex-presidente Lula (PT) estiver resolvido. As outras são Ana Amélia (PP, com Geraldo Alckmin), Kátia Abreu (PDT, com Ciro Gomes), Sonia Guajajara (PSOL, com Guilherme Boulos) e Suelene Nascimento (Patriota, com Cabo Daciolo). Candidatas à Presidência são duas, Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU), contra três em 2014.
Integrante de um comitê formado por organizações que defendem a representatividade da mulher na política e vai acompanhar o cumprimento da lei pelos partidos, a advogada Karina Kufa considera que o entendimento está de acordo com o que as Cortes decidiram, mas que partidos se arriscam se houver indícios de fraude e não conseguirem comprovar que a escolha não foi feita apenas pela questão dos recursos.
“A movimentação das contas de vice é sempre ínfima ou nenhuma, tanto que a prestação é feita geralmente junto com o titular. Agora, se dessa vez a conta da vice tiver movimentação anormal, acima do próprio candidato, por exemplo, vai ser um indício sério de fraude”, afirmou.
São Paulo
Para o procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a situação é grave: para ele, nem os valores gastos com candidatas a presidente, governadora e senadora podem ser contabilizados para a cota. “Não existe cota para candidaturas femininas nesses cargos, logo, de tudo o que o partido receber, 30% tem que ser para mulheres que disputarem eleições proporcionais”, afirmou a VEJA. Ele promete colocar entre as prioridades do Ministério Público de São Paulo a fiscalização do cumprimento da cota.
No estado, dos quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas, três escalaram como companheira de chapa mulheres que nunca haviam disputado uma eleição. É o caso das tenentes da Polícia Militar Carla Basson (MDB) e Eliane Nikoluk (PR) e da psicóloga Ana Bock (PT), que vão disputar, respectivamente, ao lado de Paulo Skaf (MDB), Márcio França (PSB) e Luiz Marinho (PT).
Procuradas, as campanhas de Skaf e Marinho afirmaram que quem prestará contas sobre o cumprimento da cota será o diretório nacional dos partidos, que ainda não definiu os recursos a que terão direito. O entendimento da assessoria jurídica de Skaf, no entanto, é que Carla Basson terá uma conta separada para receber recursos do partido e que os valores destinados diretamente a ela devem, sim, contar como os 30% da cota estabelecida.
Já a campanha do governador Márcio França aponta que como a vice-governadora é filiada ao PR, a decisão sobre como declarar recursos eventualmente repassados a sua campanha será do partido. Já o PSB tem entendimento diferente ao do MDB: vai repassar 30% para as campanhas de mulheres aos cargos proporcionais.
Representatividade
Especialistas divergem e, em geral, não têm certeza se é positivo para a representatividade de mulheres simplesmente indicá-las para a chapa majoritária. Para Marilda Silveira, as mulheres “ganharam, mas não ganharam”, embora reconheça que a solução é melhor do que se não houvesse a cota. “Para o senso comum, a mulher ser vice não representa nada. Não é bem assim, as coisas não são tão simples, porque envolve uma coisa de estratégia partidária. Se não fosse essa obrigação, a mulher não seria nem vice. Pelo menos agora, eles são obrigados a considerar a mulher como vice pelo dinheiro que ela traz junto”, argumenta.
Mesma interpretação tem Nadine Gusman, representante da ONU Mulheres no Brasil. Para ela, a cota está “provocando mudanças positivas nos partidos, que identificaram que as mulheres têm direito a recursos e tiveram de criar espaços para elas nas eleições deste ano”, diz. “Este é o primeiro passo, e não o único, para enfrentar as desigualdades de gênero na política: é preciso que as mulheres tenham voz de decisão nos partidos”.
Por outro lado, Gusman também lembra que a preocupação principal quanto à representatividade feminina na política é, justamente, o Legislativo. “O Brasil é um dos catorze países que não alcançam 20% de representação de mulheres no Parlamento – ocupa o antepenúltimo lugar no ranking latino-americano e caribenho. O país está na frente do Haiti, que apresenta a cifra mais baixa da região, com apenas 2,5% de mulheres entre seus parlamentares”, explica.