Danielle Garcia chefiava a delegacia das cidades de Nossa Senhora da Aparecida, Laranjeiras e São Miguel do Aleixo, todas no interior do Sergipe, quando um homem de meia idade foi ao local dizendo que precisava conversar com o responsável pelas forças policiais. Ela se apresentou e perguntou no que poderia ser útil. “Eu não vou falar com você. Você é mulher, você não pode ser delegada”, respondeu o sujeito. O episódio não foi um caso isolado. “Houve casos em que se recusaram a receber intimações e mandados porque o documento estava assinado por mim. Em outros, os jornais só usavam o termo ‘delegatas’ para se dirigirem às mulheres policiais”, diz Danielle, que abdicou da carreira no final do ano passado para tentar a sorte na política.
Hoje, a candidata do Cidadania disputa uma vaga no segundo turno da eleição de Aracaju. Ela está em segundo lugar, com 19%, atrás do atual prefeito, Edvaldo Nogueira (PDT), que tem 34% (uma nova pesquisa será divulgada nesta quinta-feira, 12). Danielle foi lançada na política por outro ex-delegado que fez carreira em Sergipe. Alessandro Vieira, ex-comandante da Polícia Civil do estado, disputou sua primeira eleição em 2018 e conquistou um mandato de senador. Com o lavajatismo em alta entre 2016 e 2017, Vieira e Danielle ficaram conhecidos do grande público por conta de operações contra a corrupção que receberam extensa cobertura televisiva.
O capital político que a dupla manteve fez a candidatura de Edvaldo incluir como vice-prefeita a sucessora de Vieira na diretoria-geral da Polícia Civil. A delegada Katarina Feitoza (PSD) deixou o posto em junho para assumir a missão que lhe foi passada pelo governador Belivaldo Chagas (PSD), o maior apoiador de Edvaldo. Ironicamente – ou não -, Katarina foi quem exonerou Danielle do núcleo de combate à corrupção em 2017. “Seria leviano da minha parte falar sobre isso, mas está claro para a população quem é quem”, disse Danielle. VEJA não conseguiu conversar nem com Edvaldo nem com Katarina.
Assim como Danielle, outras três delegadas despontam neste pleito com chances reais de brigar pelas prefeituras de capitais. E a fama das “delegadas-candidatas” não é um fenômeno restrito a eleitores ideologicamente posicionados à direita, espectro que costuma utilizar com mais afinco questões voltadas para a segurança pública e a luta anticorrupção em campanhas políticas. A esquerda entendeu após a eleição de 2018 que deveria romper tabus e apresentar propostas neste campo para disputar o eleitorado que se deixou seduzir pela retórica inflamada do bolsonarismo contra a criminalidade.
O Rio de Janeiro é o caso de maior sucesso até aqui. Por lá, a delegada Martha Rocha (PDT) cresceu a ponto de ameaçar a ida do prefeito Marcello Crivella (Republicanos) ao segundo turno. Na pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 9, ela aparece no terceiro lugar, com 14% das intenções de voto, enquanto Crivella está uma posição acima, com 15% – ambos estão empatados dentro da margem de erro, que é de três pontos percentuais para mais ou para menos. Eles também estão empatados tecnicamente com Benedita da Silva (PT), que tem 9%. O líder da pesquisa é o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que tem 33%.
Goiânia é outra capital em que a esquerda usou o cacife de uma delegada para se posicionar bem na disputa. Adriana Accorsi (PT), filha do ex-prefeito Darci Accorsi, também do PT, se elegeu deputada estadual em 2018 como a mulher mais bem votada em Goiás. “Os policias de esquerda sempre existiram, mas os partidos de esquerda devem trabalhar para retomar o diálogo com as forças de segurança. Esse afastamento é uma herança da época da ditadura”, diz ela. Apesar de ser a terceira colocada na disputa eleitoral deste ano, Adriana está em crescimento nos últimos dias e satisfeita com os 14% de intenções de voto que conseguiu amealhar até aqui – está atrás de Maguito Vilela (MDB), que tem 33%, e de Vanderlan Cardoso (PSD), que tem 26%.
Em 2016, quando também se candidatou para a prefeitura, Adriana terminou o pleito com 6%. “Fui a primeira chefe da Polícia Civil em Goiás e, naquela época, só cinco mulheres tinham chegado a esse posto no Brasil. O crescimento das delegadas é resultado da maior presença de mulheres nos espaços de poder, mas na política estamos muito longe do espaço devido. Esse é nosso grande desafio cotidiano”, diz ela.
Quando questionadas sobre por que resolveram se aventurar na política, as delegadas costumam dizer que as atuações enquanto policiais esbarravam em limitações institucionais e que, se forem eleitas, poderão ser mais úteis conduzindo gestões que respaldem as bandeiras nas quais acreditam. É um discurso muito semelhante ao que o ex-juiz Sergio Moro usou para justificar sua entrada no governo de Jair Bolsonaro. Como se sabe, Moro colheu sucessivas derrotas no Ministério da Justiça e deixou o cargo acusando o presidente de ter interferido na Polícia Federal para defender interesses próprios.
Nesta semana, Bolsonaro resolveu pedir votos para a candidatura de uma delegada que ficou conhecida entre 2015 e 2018 como a “Moro de saias” do Recife. Patrícia Domingos (Podemos) decidiu que entraria na política após o governador Paulo Câmara (PSB) ter conseguido aprovar um projeto de lei que fechava a delegacia anticorrupção que ela comandava. “O fim da delegacia foi uma decisão política. Eles tiraram as minhas ferramentas, então eu decidi lutar na arena deles”, diz ela.
Patrícia vinha crescendo nas pesquisas, mas perdeu cinco pontos percentuais e, com 12%, despencou para o quarto lugar na capital pernambucana, segundo o Ibope. Ela está atrás dos deputados federais João Campos, do PSB (33%), e Marília Arraes, do PT (21%), e empatada tecnicamente com Mendonça Filho, do DEM (17%). As intenções de voto foram medidas antes de Bolsonaro recebê-la em Brasília para gravar uma live que foi transmitida no Facebook do presidente. A eficácia do movimento, portanto, ainda é incerta.