Na fila das privatizações
Um desafio para o governo: ineficientes e deficitários, os Correios precisam ser vendidos nos próximos cinco anos, ou já não terão mais valor no mercado
Jair Bolsonaro nem sempre demonstra real entusiasmo pelo ímpeto privatizante que inflama seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Por isso, os liberais ficaram alvoroçados com uma declaração sua na entrevista publicada na edição anterior de VEJA: foi dado sinal verde para privatizar os Correios. “Temos de mostrar à opinião pública que não há outro caminho”, disse, ao ser questionado sobre o que o governo faria após a aprovação da reforma da Previdência. Não foi uma declaração de improviso: conselheiros próximos pediram ao presidente uma posição inequívoca em favor das privatizações. De um lado, o recado serve para convencer membros do governo hostis à venda dos Correios (caso do ministro da Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes). De outro, foi um sinal para técnicos do governo, que aceleraram a produção do estudo que norteará a venda da estatal. O calendário é apertado: como tudo na pauta econômica, as privatizações só serão discutidas depois da reforma da Previdência. No entanto, os Correios caminham para a obsolescência tecnológica — e há o risco de não ser mais uma empresa vendável se o processo, ainda embrionário, não se concluir rápido.
VEJA teve acesso a cálculos preliminares feitos pela equipe do governo. As primeiras conclusões mostram que o tempo de vida útil para concretizar a venda dos Correios está em torno de cinco anos. Desde o início de 2018, a principal fonte de receita da estatal deixou de ser o monopólio postal — a entrega de cartas, largamente substituídas por várias formas de mensagem eletrônica — e passou a ser a entrega de encomendas, mudança impulsionada, sobretudo, pelo crescimento do e-commerce. A questão é que a ineficiência da empresa na entrega final — que no jargão da área é chamada de last mile delivery — vem minando a participação dos Correios no setor. No prazo previsto pelo governo, as transportadoras privadas ultrapassarão a estatal na prestação do serviço. O ponto de virada inviabilizaria por completo a sua venda.
A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) constatou, em levantamento inédito, que o uso de transportadoras privadas pelas empresas cresceu de 15%, em 2013, para 33%, enquanto o dos Correios caiu de 81% para 62%. Entre companhias com faturamento acima de 10 milhões de reais mensais, o porcentual de utilização dos Correios desceu para menos de 30%. Com os serviços postais caindo no ritmo de 10% ao ano, os Correios foram obrigados a encarecer a parte que lhe é mais rentável. Para 64% dos lojistas, a principal reclamação contra a estatal são “os preços abusivos”. Quase um terço dos entrevistados considera os serviços dos Correios “péssimos ou ruins”. Para piorar, a estatal aumentou o prazo de entrega de encomendas entre 2013 e 2019. No Rio de Janeiro, a média passou de três para seis dias.
Como revelou o site de VEJA na quarta-feira 5, a startup de entregas Loggi tornou-se a oitava empresa brasileira a ser avaliada em 1 bilhão de dólares. Já o buraco financeiro dos Correios é reflexo de seu inchaço e dos sucessivos escândalos de corrupção que atingiram a estatal nos últimos anos. Antes de a Lava-Jato revelar as propinas bilionárias da Petrobras, os Correios foram a empresa mais emblemática da corrupção no governo. Em 2005, um diretor da estatal, Maurício Marinho, foi filmado negociando propina em nome do PTB para fraudar uma licitação — e a partir daí o país tomou conhecimento do mensalão. Já na Lava-Jato, diversas operações desvendaram desvios e fraudes no Postalis, o fundo de previdência dos funcionários dos Correios, que carrega uma dívida de 11,5 bilhões de reais.
Anualmente, o governo desembolsa em média 18 bilhões de reais para manter a empresa funcionando. São 105 000 funcionários, entre eles 65 000 carteiros, espalhados em 11 000 postos de atendimento em todos os municípios do país. Sozinhos, os Correios têm cerca de 20% da totalidade dos 500 000 empregados nas 134 estatais brasileiras. No governo Temer, um plano de contingenciamento de emergência foi levado adiante para minimizar os déficits bilionários acumulados entre 2013 e 2016, o que incluiu o fechamento de agências e a demissão de 2 684 funcionários. Os últimos dois anos apresentaram lucros de 667 milhões e 161 milhões de reais, modestos perto dos prejuízos de 4 bilhões de reais do período anterior. O déficit do Postalis também preocupa. Os Correios alegam ter elaborado uma solução para 5 bilhões de reais, menos da metade do rombo, mas qualquer intervenção iria onerar ainda mais os aposentados do plano, que já têm desconto mensal de quase 27%. A auditoria BDO Brasil, que estudou os Correios no ano passado, levantou dúvidas “quanto à capacidade de continuidade operacional da empresa”.
Apesar do senso de urgência, não existe hoje uma ideia de qual modelo de privatização seria ideal. Por ora, a prioridade é garantir a reforma da Previdência e evitar confrontos com grupos de interesse. Nem mesmo conversas com ministros foram marcadas para tratar de privatizações. “O governo acerta com essa agenda. Privatizações são muito polêmicas. Tocar essa pauta junto com a da Previdência numa administração cheia de militares é arrumar briga de graça”, diz Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. Considerado o tradicional uso da estatal como cabide de empregos, a privatização promete ser uma luta dura. Existe até uma Frente Parlamentar em Defesa dos Correios, que, presidida por Leonardo Monteiro (PT-MG), conta com 210 deputados e três senadores de vários partidos — sim, inclusive do partido do governo, o PSL. Internamente, a previsão mais realista sugere que a venda dos Correios só deva acontecer em 2021. Seria o limite do governo Bolsonaro para levar a medida à frente: no ano seguinte serão disputadas novas eleições, e a classe política dificilmente terá disposição para se debruçar sobre tema tão delicado. Passar à iniciativa privada uma empresa que o Estado não sabe gerir com eficiência e transparência seria um bom legado.
Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638
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