No dia de lançamento do Aliança pelo Brasil, em 21 de novembro, a mestre de cerimônias chamou pelo nome os membros da executiva no evento realizado em Brasília. “Convido a subir ao palco o presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, o senhor Jair Renan…”, anunciou ela, enquanto a plateia gritava “mito, mito, mito”. Quando foi chamado o advogado Luís Felipe Belmonte, fez-se um silêncio. Ali, não eram muitos os que tinham ouvido falar do terceiro na hierarquia e segundo-vice-presidente da sigla — abaixo apenas do capitão e de Flávio Bolsonaro. Pouco conhecido fora do círculo da família presidencial, Belmonte é um nome que ainda vai ganhar muita visibilidade — e não apenas por sua posição de destaque no Aliança.
Uma das coisas curiosas a seu respeito é que ele tem um perfil muito distante daquele de um bolsonarista raiz. Ele morava até o início do ano passado em Ascot, na Inglaterra, quando decidiu voltar para o Brasil e entrar de corpo e alma na política “movido pelo espírito de moralização do país por causa da Lava-Jato”, segundo conta. Filiou-se ao PSDB, elegeu sua mulher, Paula Belmonte, pelo Cidadania (partido que namora ostensivamente Luciano Huck, cotado para ser adversário do presidente em 2022), e apoiou financeiramente 33 candidatos de diversas agremiações, do PCdoB ao PSL, sendo o segundo maior doador da eleição de 2018, com 3,9 milhões de reais, abaixo apenas do empresário Rubens Ometto, o usineiro número 1 do Brasil. “O critério era apoiar quem nunca teve mandato, quem trabalhasse em prol da sociedade”, justifica. Fã de rock e futebol, Belmonte também é um dos principais representantes no país do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, uma das religiões de orientação cristã que utilizam o ritual do chá de ayahuasca, o mesmo do santo-daime. Na cartilha ideológica, ele se aproxima do presidente ao pregar a preservação da família, a oposição ferrenha ao Foro de São Paulo (“Estive na Rússia e conheci a cartilha de Lenin, sei como é”) e o culto ao patriotismo.
Nem todos os aliados de Bolsonaro sabem detalhes de sua vida e pensamento, mas a maioria o conhece por outro atributo, extremamente valioso dentro de um partido que nasce com pressa para se viabilizar: Belmonte é milionário. Até outubro de 2018, quando foi eleito para primeiro suplente de senador pelo PSDB, seu patrimônio era de 65,7 milhões de reais, conforme declaração prestada ao Tribunal Superior Eleitoral. Compõem os bens de Belmonte fazendas, carros de luxo e investimentos no exterior (veja o quadro abaixo). Outra fonte de renda são aluguéis de um prédio em Brasília à Procuradoria-Geral da República (PGR) e da sede do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A PGR faz locação do Edifício Alvoran da Kasar Investimentos Imobiliários, incorporadora de Belmonte. O valor mensal é de 195 000 reais. Batizado em homenagem ao pai do advogado, o Edifício Adail Belmonte é a sede do CNMP e rende 574 080 reais à Kasar a cada trinta dias. Os dois contratos de locação, firmados com dispensa de licitação, foram assinados em 2011 e valem até 2021.
Belmonte chegou ao partido de Bolsonaro pelas mãos da advogada Karina Kufa, a tesoureira da sigla. Somente nos primeiros dias de atividades oficiais, assume que já tirou do bolso cerca de 20 000 reais — 5 000 reais foram pagos para alugar a sala do hotel Royal Tulip usada no dia do lançamento. Segundo Belmonte, foi dele a sugestão de batizar a sigla de “Aliança”. “Depois, o Bolsonaro gostou e completou com o ‘pelo Brasil’. Eu acredito muito na força da palavra. E o nome ‘partido’ já pressupõe divisão. Aliança traz mais energia, algo que subentende um princípio de lealdade e compromisso”, teoriza. O advogado também ajudou a escrever o programa e tem ido frequentemente à Câmara para conversar com deputados interessados em aderir à legenda.
Formado em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Belmonte trabalhou no Banco Central entre 1977 e 1991. Deixou o emprego público para tocar seu escritório de advocacia, que hoje tem unidades em Brasília e em São Paulo, atuando sobretudo em casos de direito empresarial e societário. Apenas em um processo iniciado em 1989 na Justiça trabalhista de Rondônia, que envolvia precatórios da União, ele embolsou mais de 100 milhões de reais em honorários. Com essa e outras boladas, o advogado diversificou suas áreas de atuação e se tornou empresário dos ramos de construção e incorporação, agropecuária e tecnologia, além de cartola de clubes de futebol.
O mesmo processo que enriqueceu Belmonte lhe rendeu uma dor de cabeça. Em maio de 2017, o advogado foi denunciado por sua inquilina PGR ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a acusação de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Segundo a procuradoria, Belmonte teria pago 800 000 reais em propina ao ex-desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª Região Vulmar Coêlho Júnior em troca de uma decisão que liberou, em 2010, o pagamento a ele de 11 milhões de reais devidos do montante da ação dos precatórios em Rondônia. No desenrolar das investigações, em outubro de 2012, Belmonte acabou sendo alvo de um mandado de busca e apreensão da PF, que afirmou no inquérito que ele tinha “grande poder de influência nos órgãos públicos” e era o “principal protagonista” no “vultoso e conturbado” processo do TRT. A defesa nega o pagamento de qualquer propina, diz que o processo foi “comprovadamente idôneo” e sustenta que o desembargador decidiu sempre contra os interesses de Belmonte. Devido a fraudes no mesmo processo, Vulmar Júnior foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2017. A denúncia contra Belmonte corre em primeira instância na Justiça Federal de Rondônia.
Aliados de Bolsonaro relatam que o presidente não sabia quem era Belmonte até estourar a crise com a cúpula do PSL. “Ele me disse: ‘Me apresentaram uma pessoa que vai cuidar do novo partido’. Ele não conhecia, não sabia nem o nome. Disse só que era marido de uma deputada”, afirma um amigo do presidente. Nos corredores da capital, a escalada rápida na política do casal Luís Felipe e Paula Belmonte chama atenção. “Foi uma surpresa muito grande a sua eleição. Além de Paula ter uma bandeira interessante pelas crianças, o partido precisava cumprir a cláusula de barreira, e eles se ofereceram para pagar sozinhos a campanha”, diz o ex-senador Cristovam Buarque (Cidadania), que levou Paula ao partido. Belmonte, por sua vez, candidatou-se como suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Ironicamente, dentro das hostes tucanas, acabou disputando o Senado contra Buarque, que estava na coligação de sua mulher. “Eles são pragmáticos”, define Buarque.
Em 2009, Belmonte decidiu deixar o país depois de sofrer um assalto à mão armada na Avenida Faria Lima, uma das principais de São Paulo, em plena luz do dia. “O revólver na minha cabeça me incomodou. Nunca se sabe quando coça o dedo do bandido”, diz. O advogado, então, resolveu se mudar para a Inglaterra. Em 2014, já morando fora, uma tragédia abalou a vida do casal: o filho de 1 ano morreu afogado em um acidente na piscina. O evento doloroso levou Paula e Belmonte a se engajar na política. “Escolhi não ficar em casa sentindo aquela tristeza”, conta ele. “Decidi trabalhar em defesa da infância ao lado da minha mulher. Virou nossa missão.”
O plano só tomou impulso definitivo com a volta ao Brasil, em 2018. A relação com Bolsonaro também é recente: estreitou-se nos últimos seis meses. Além de estar presente a todos os eventos do Aliança, Belmonte acompanhou o presidente em julho numa visita a Goiânia, à casa do cantor Amado Batista. Paula, por sua vez, já apareceu em algumas ocasiões ao lado da primeira-dama Michelle e num jogo entre Flamengo e CSA no Mané Garrincha, em junho, onde estavam também o capitão e o ministro Sergio Moro. Futebol, aliás, é uma paixão recorrente na vida de Belmonte. Ele foi dono do Brasília FC, que vendeu depois de querer incluir o azul na bandeira vermelha do clube e ser alvo de protestos da torcida (seria uma alusão ao céu de Brasília), e, em 2016, comprou o Esporte Clube Dom Pedro II, que sem maiores resistências teve a cor vermelha substituída por azul, amarelo e branco e foi rebatizado como Real FC, homenagem ao gigante espanhol Real Madrid, do qual é fã.
Já a relação com a União do Vegetal vem desde a década de 80. Belmonte chegou a ser mestre da religião, participou de cerimônias no Congresso para homenagear os seus cinquenta anos e atuou nas cortes judiciárias do Brasil e dos Estados Unidos para legalizar e regulamentar o uso consciente do chá de ayahuasca em rituais. Ex-coroinha da Igreja Católica, o advogado hoje se considera um “ecumênico” e desde o ano passado frequenta cultos evangélicos na Assembleia de Deus — parte das lideranças evangélicas apoiou a campanha de sua mulher e é atualmente a base mais fiel ao presidente Bolsonaro.
O homem forte nos bastidores do novo partido garante que não tem grandes pretensões eleitorais. Nas rodinhas de conversas da turma do Aliança, no entanto, comenta-se que ele deve assumir o diretório do Distrito Federal. Tem chances reais também de chegar a ser o segundo senador do Aliança — depois de Flávio Bolsonaro. Izalci Lucas não omite que pretende se candidatar ao governo do Distrito Federal em 2022, o que, em caso de vitória, abriria a vaga ao suplente. Além disso, toda vez que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, balança no cargo, o nome de Izalci é ventilado no Planalto. Belmonte esconde o jogo, mas concede uma pista ao se autodefinir como “uma pessoa-solução”. “Se tiver de fazer, vou para o olho do furacão e resolvo”, afirma. Pelo jeito, ele ainda vai dar mesmo o que falar.
Publicado em VEJA de 4 de dezembro de 2019, edição nº 2663