Ficou famoso o vídeo gravado em julho do ano passado, e que veio à tona pouco antes das eleições, em que Eduardo Bolsonaro diz que bastava um jipe com um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal. Atualmente, ao falar sobre o assunto, o deputado federal mais votado do país e filho do presidente diz que a fala fazia parte de um gracejo com estudantes em uma palestra e foi editada para prejudicar o pai na campanha. Na última quinta, 31, o Zero Três voltou a provocar polêmica com declarações de cunho autoritário. Desta vez, não parecia estar de brincadeira. Em um trecho de uma entrevista para o canal de YouTube da jornalista Leda Nagle, Eduardo traçou uma teoria conspiratória (e delirante) de que o dinheiro cubano estaria financiando as recentes manifestações do povo chileno. Na sua visão, o Brasil deve estar atento para que algo semelhante não se repita por aqui: “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter de ser dada”.
No caso da Europa, Eduardo Bolsonaro se referia ao plebiscito da época de Mussolini no qual os eleitores poderiam dizer sim ou não a uma lista de candidatos sugerida pelo Partido Nacional Fascista e por entidades que apoiavam o regime. O exemplo brasileiro foi pior ainda. Baixado pelo general Artur da Costa e Silva em dezembro de 1968, no auge do endurecimento da ditadura, o AI-5 permitiu a ele fechar o Congresso, cassar o mandato de parlamentares, proibir sindicatos e suprimir garantias constitucionais.
Jair Bolsonaro e seus filhos já desferiram ataques variados contra instituições como a imprensa, o Congresso e o STF. Três dias antes da entrevista do Zero Três, um vídeo divulgado na conta oficial do presidente trazia uma montagem que o representava como um leão atacado por um bando de hienas, todas legendadas com o nome dos supostos inimigos, entre eles o STF. Diante da repercussão negativa, o chefe do Executivo recuou, apagou o post e pediu desculpas. Para Marcos Bretas, professor de história da UFRJ, isso faz parte de uma estratégia dos Bolsonaro para manter a militância mobilizada. “Estão o tempo todo exercitando um certo terrorismo, como se estivessem permanentemente sob ameaça de um inimigo”, afirma. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, classificou as falas de Eduardo de “repugnantes”: “A apologia reiterada de instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras”, dando a senha de que pode considerar o pedido de cassação, já anunciado pela oposição. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, também criticou. “Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos”, afirmou. Em meio à polêmica, Jair Bolsonaro lamentou a declaração do filho, dizendo que quem pensa em AI-5 “está sonhando”. Os brasileiros que prezam o Estado de direito não querem mais esse pesadelo.
Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659