Festejado nos primeiros tempos do governo como o “melhor ministro” de Jair Bolsonaro, principalmente por seu perfil reservado, técnico e de tocador de obras, o chefe da pasta da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, deixou a discrição de lado e surgiu no fim de maio na garupa do presidente em um famigerado passeio de moto pelas ruas do Rio de Janeiro. A “motosseata” terminou no Aterro do Flamengo, onde Bolsonaro, sobre um carro de som, vestiu o figurino de animador de auditório e repetiu o que vem fazendo com alguma regularidade: sugerir o nome do auxiliar como candidato ao governo paulista em 2022. “O Tarcísio vai para São Paulo ou não vai? Vai fazer uma limpeza em São Paulo ou não vai?”, exortou.
A insistência no nome do subordinado, que é capitão da reserva do Exército e nunca foi candidato a nada, reflete a necessidade do presidente de encontrar um nome de sua confiança para a disputa num estado estratégico. Mais do que isso, ela ainda ilustra a sua dificuldade para montar palanques nos três maiores colégios eleitorais do país: há incertezas também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. A questão em São Paulo, no entanto, é a que mais preocupa. Primeiro, porque é o maior colégio eleitoral do Brasil, com 31,6 milhões de votantes, e foi estratégico na vitória em 2018, quando Bolsonaro cravou 68% dos votos no estado, porcentual bem acima dos 55% registrados nacionalmente. Segundo, porque no estado estão alguns dos principais adversários do bolsonarismo, como o governador João Doria (PSDB), o PT de Fernando Haddad e o PSOL de Guilherme Boulos — os dois últimos podem ser candidatos ao governo.
Tarcísio não tem partido e sequer vota em São Paulo, mas é um nome identificado com o presidente, o que pode ajudar na colheita dos votos bolsonaristas. “Ele talvez não tenha viabilidade de vitória, mas pode se tornar um nome expressivo que ajude na articulação presidencial. Pela configuração, é possível que num segundo turno o antibolsonarismo se una em São Paulo”, diz o cientista político Rafael Cortez, professor da PUC-SP e sócio da Tendências Consultoria. O flerte, no entanto, não tem sido correspondido. Apesar da insistência do chefe, que já encomendou até pesquisas para saber o desempenho do auxiliar, há muitas dúvidas sobre se Tarcísio vai encampar a missão.
A resposta do ministro, ainda no carro de som no evento do Rio, foi a de um bolsonarista típico, com menções a “bandeiras verde-amarelas”, mas sem qualquer aceno aos paulistas. Nos bastidores, ele indica que não pretende abraçar tão cedo a carreira partidária, sob o argumento de que isso traria a política para dentro do ministério e comprometeria a sua atuação. Apesar de satisfeito com o reconhecimento público de seu trabalho, com postagens diárias do presidente nas redes sociais e presença constante nas viagens oficiais, ele teme que a fantasia de pré-candidato colocada pelo presidente atrapalhe as concessões previstas para 2022, como a da Via Dutra, que deve ocorrer em fevereiro. Ele receia que investidores saiam pela tangente com a promessa de Bolsonaro de isentar o pedágio para motociclistas — seu novo exército eleitoral —, tornando o projeto pouco atraente às empresas com capacidade de investimento na rodovia. “Tarcísio tenta se equilibrar como pode, para agradar ao Planalto e ao mercado”, afirma um secretário da pasta.
A resistência do escolhido contrasta com o desejo de outros aliados de Bolsonaro, por ora preteridos. O principal é o presidente da Fiesp, Paulo Skaf — aliados de Bolsonaro dizem que ele não se empolga com o nome, principalmente pelo “cansaço” com a imagem do líder empresarial, que já disputou três eleições ao governo e não chegou nem ao segundo turno. Como mostrou a coluna Radar, o movimento de Bolsonaro em direção a Tarcísio melindrou Skaf, que foi um dos principais articuladores do fracassado projeto do Aliança pelo Brasil, o partido criado sob medida para o capitão. Outro que os bolsonaristas gostariam de ver candidato é o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que é amado pelos bolsonaristas radicais e aparece bem em pesquisas de intenção de voto encomendadas pelo entorno do presidente — embora a sua rejeição também chame a atenção. Bolsonaro, por ora, não dá sinal de que pretende se reaproximar de seu ex-auxiliar.
Se no maior colégio a situação é complexa, pode-se dizer o mesmo do segundo, Minas Gerais. Eleito na onda bolsonarista de 2018, o governador Romeu Zema (Novo) teve relações ora próximas, ora distantes com o capitão. O maior empecilho a uma aliança em 2022 vem de seu partido, o Novo, que lançou, na quarta 2, a pré-candidatura ao Palácio do Planalto de seu fundador, João Amoêdo. “Muito provavelmente o Novo terá um candidato à Presidência, que eu irei apoiar”, resume Zema, que, por sua vez, disputará a reeleição no estado. Bolsonaristas mineiros ainda acreditam em uma aliança com o governador, mas admitem que, caso ela não ocorra, não têm um nome. Aos 23 anos, o deputado estadual Bruno Engler (PRTB), apoiado por Bolsonaro para a prefeitura de Belo Horizonte, não tem nem a idade mínima de 30 anos para o cargo.
A vida não anda fácil nem no berço do clã presidencial, o Rio de Janeiro. A novidade da semana foi a possibilidade de o Patriota, nova sigla do bolsonarismo, lançar o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, ao governo, conforme antecipou o site de VEJA — ele também estava na “motosseata” de Bolsonaro no estado. Se a candidatura não ganhar musculatura, Bolsonaro tem a quem recorrer: o governador Cláudio Castro (PL), que é próximo ao filho Flávio, o Zero Um, e se filiou ao PL, um dos partidos do Centrão, em cerimônia prestigiada pelo próprio presidente. Bolsonaristas locais avaliam que Castro não é o candidato ideal, mas pode acabar se tornando na falta de alternativa. Levantamento do Paraná Pesquisas mostra um desempenho fraco do governador, que oscila entre 13% e 16% das intenções de voto e tem 17,7% de avaliação ótima/boa. Na liderança do levantamento aparece Marcelo Freixo, do PSOL, com intenções de votos variando entre 20,5% e 25,2%.
A busca intensificada nas últimas semanas por nomes fortes nos principais estados retrata o diagnóstico feito por políticos próximos a Bolsonaro — com o qual ele concorda — de que a disputa pelo Palácio do Planalto em 2022 não repetirá nem de longe o cenário de 2018, quando ele largou na corrida como um “lobo solitário” e foi atraindo por gravidade os apoios de candidatos aos governos estaduais à medida que crescia como antagonista do PT. “Vai ter de ser uma coisa mais profissional, até porque ele vai ter de prestar contas do mandato”, diz o senador Ciro Nogueira, chefão nacional do PP e candidato ao governo do Piauí — um dos palanques garantidos para o presidente em 2022. A migração do bolsonarismo para o Patriota não é avaliada por aliados como a ideal, como seria uma volta ao PSL, com seu gordo fundo partidário e tempo de TV, mas hoje é a única viável. Líderes do Centrão já se reuniram com Bolsonaro para delinear os candidatos mais fortes de cada grupo e começar a alinhar apoios.
Em alguns estados, no entanto, Bolsonaro tem alternativas mais certeiras. Na Bahia, onde deve haver um novo embate entre o carlismo e o petismo, o presidente pode ter João Roma (Republicanos), ministro da Cidadania e um dos pais do programa sucessor do Bolsa Família, que deve ser lançado em setembro. No Rio Grande do Norte, é quase certa a candidatura de outro ministro com dinheiro e visibilidade, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), presença constante nas inaugurações de obras pelo país. No Paraná, Bolsonaro é aliado de Ratinho Jr. (PSD), que vai disputar a reeleição. No Rio Grande do Sul, há dois pré-candidatos: o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM), e o senador Luis Carlos Heinze (PP). Na Região Centro-Oeste, onde tem boa aprovação, Bolsonaro poderá ter os palanques de Ronaldo Caiado (DEM), em Goiás, e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), cogitada a disputar o pleito em Mato Grosso do Sul (ela também pode se candidatar a deputada ou senadora).
O esforço em busca de nomes estaduais tem também motivos imediatos: fecha portas regionais ao confuso centro político, que ainda não tem um candidato competitivo, e começa a fazer frente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também já está montando os seus palanques Brasil afora e cuja movimentação deu a largada na corrida para 2022. A ordem agora é acelerar, sem derrapar. E colocar o máximo possível de gente na garupa da moto.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741