A pergunta que não quer calar segue sem resposta. Quinze dias depois de ter vindo à tona um relatório oficial que mostrava movimentações atípicas de 1,2 milhão de reais feitas pelo policial militar Fabrício Queiroz, ex-funcionário do gabinete de Flavio Bolsonaro, ainda não se descobriu o que está por trás do elevado fluxo financeiro. A resposta era esperada para a quarta-feira 19, quando Queiroz deveria prestar depoimento na sede do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Mas, alegando “inesperada crise de saúde”, o ex-motorista não compareceu. Segundo sua defesa, ele estaria em atendimento para a realização de exames médicos de urgência, acompanhado da família. O depoimento foi, então, remarcado para a sexta-feira 21.
Ainda que as movimentações em si não representem necessariamente atos ilícitos, Queiroz tem muito a explicar. Por exemplo: por que pelo menos oito funcionários do gabinete de Flavio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio fizeram depósitos, totalizando 150 000 reais, em sua conta entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017 — todos em datas posteriores ao pagamento dos salários? Outro exemplo: por que Queiroz fez saques equivalentes aos mesmos valores poucos dias depois dos depósitos? Mais um exemplo: por que depositou um cheque de 24 000 reais na conta de Michelle Bolsonaro, esposa do presidente eleito? Foi mesmo parte do pagamento de um empréstimo, como alega Bolsonaro? Um último exemplo: como sua filha Nathalia poderia ser funcionária do gabinete de Flavio e de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados em Brasília, ao mesmo tempo em que trabalhava como personal trainer para estrelas globais como Bruna Marquezine e Bruno Gagliasso no Rio de Janeiro? Ah, faltou um outro exemplo: por que, apesar da vultosa movimentação financeira e do salário de 23 000 reais, Queiroz vive em uma casa singela em um bairro da periferia de Jacarepaguá, no Rio, e somente neste ano adquiriu um apartamento novo de 356 000 reais, dos quais 80% foram financiados pela Caixa?
Tudo conspira para uma suspeita: o deputado Flavio Bolsonaro cobrava pedágio dos servidores do seu gabinete e a intermediação era operada por Queiroz. É apenas uma suspeita, mas que vem sendo reforçada pelo silêncio do ex-motorista e pelas declarações claudicantes dadas pelos Bolsonaro.
Assim que o assunto apareceu no jornal O Estado de S. Paulo, o presidente eleito pediu ao ex-motorista que se explicasse. Flavio, por sua vez, postou o seguinte na sua conta do Twitter: “Nada fiz de errado. Não sou investigado. Agora, cabe ao meu ex-assessor prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários ao Ministério Público”. Com o passar dos dias, o discurso ganhou novos adereços. Em uma live no Facebook, Bolsonaro recorreu à velha carta do “vazamento seletivo” do documento, argumento tantas e tantas vezes usado pelos petistas da Lava-Jato. “O Queiroz não estava sendo investigado, foi um vazamento que houve aí. Não sou contra vazamento, tem que vazar tudo mesmo.”
Flavio foi mais longe e chegou a sugerir que está sendo alvo de alguma armação de adversários, outra linha de defesa exaustivamente empregada por todos os que têm de prestar alguma explicação. Disse ele: “Muitas coisas estão mal explicadas. Por que só o sigilo bancário dele veio a público? Será que é só para me atingir? Para atingir o presidente eleito?”. Com armação ou não, o fato é que a conta de Queiroz registrou movimentação de 1,2 milhão de reais em apenas um ano e que os funcionários de Flavio faziam depósitos na conta do ex-motorista logo depois de receberem o salário. Se for comprovada a cobrança de “pedágio”, a bandeira da ética da família Bolsonaro ficará rota mais cedo do que se pensava.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614